Ultimamente, sempre que visito as redes sociais, vejo uma discussão sobre ter ou não uma atitude cringe, sobre ser da geração Millenial ou Geração Z… não tive escolha, fui ao Google entender o que era isso e aonde eu me encaixo! Pior que eu nem me encaixo nessa discussão, sou da geração X (nascidos entre 1665 e 1980), entre tantas explicações e testes acabei lendo uma expressão antiga, rarissimamente usada, mas ainda tão presente no cotidiano dos brasileiro: a “Lei de Gérson”.
Se você é da geração Millenial talvez conheça a famosa “lei”, se é da geração Z provavelmente nunca ouvir falar, mas, mesmo sem saber, vive intensamente sob a égide dessa “lei”. Provando que aprendemos muito pouco, ou quase nada, do que que é viver coletivamente.
Embora o Google esteja à disposição para quem quiser pesquisar sobre a Lei de Gérson (talvez não para os estudantes das escolas públicas, pois o Presidente recorreu ao Supremo Tribunal Federal para não ter que oferecer conexão à internet para alunos e professores das escolas públicas), vou comentar sobre a referida lei.
Era década de oitenta, uma propaganda televisiva de uma marca de cigarro (sim! Era permitido veicular propagandas de produtos que, notoriamente, causam dependência e são prejudiciais à saúde), cujo garoto propaganda era um atleta, mais precisamente um jogador de futebol (contrassenso? Pois é… tudo fora do lugar), acendia o seu cigarro e afirmava que o negócio era levar vantagem em tudo! Se fosse uma propaganda regional a frase seria: farinha pouca, meu pirão primeiro!
E ali, com aquela fala, estávamos sacramentando uma forma de pensar e agir do cidadão comum brasileiro, a de que o importante era se dar bem, levar vantagem, não importa se não a atitude que o levou a ter esta vantagem era necessariamente antiética, se sobrepunha o interesse individual ao coletivo, o importante mesmo era levar vantagem. Consolidamos ainda mais esta prática quando aceitávamos a ideia do político que “rouba, mas faz”. E o político é reflexo de uma sociedade, não o contrário.
E assim foi: uma geração de empresários fraudando, descaradamente, o INSS, uma geração de patrões de empregadas domésticas que lhes negavam o direito básico ao reconhecimento do vínculo empregatício, uma geração que pregou a malandragem, a desonestidade, como sendo o nosso “jeitinho brasileiro”.
É claro que, em algum momento, tentamos desfazer essa cultura, tentamos desfazer essa ideia de que pequenas atitudes desonestas não fazem parte do pacote da corrupção. Mas fazem! A corrupção diária se manifesta quando furamos uma fila, quando sonegamos um imposto com um recibo do amigo dentista, quando colocamos os pontos da infração de trânsito na carteira da mãe idosa que quase não dirige… Nós realmente tentamos… mas tentar não foi o bastante. Falhamos miseravelmente.
Por alguns anos aprisionamos ao máximo esta forma de pensar e agir, que confundia desonestidade com esperteza. Por alguns anos ao menos nos envergonhávamos de ter estas atitudes, não nos vangloriávamos de ter “levado uma vantagem”. Mas então, o que estava latente, hibernando, reapareceu e sob uma forma mais perversa.
Passamos a achar escandaloso uma notícia sobre corrupção, mas não achamos mais escandaloso a corrupção diária, essa pode e qualquer coisa colocaremos a culpa na nossa questão cultural! Passamos a achar escandaloso um homem que bate em mulher, desde que este homem não seja meu jogador ou cantor favorito, aí a culpa é da vítima! Passamos a achar escandaloso o paredão na favela, mas não achamos escandaloso as festas clandestinas em bares e boates de bairros nobres, afinal, como disse a moça a polícia tem que se ocupar penas da favela…
A pandemia deveria ter criado em nós uma consciência maior da coletividade, de termos atitudes primeiramente em prol desta coletividade, se não efetivamente promovendo, ao menos almejando, uma sociedade mais justa, mais igualitária. Infelizmente não foi o que aconteceu: alguém relembrou que embora esquecida, a “Lei de Gérson” não foi devidamente revogada e foi ressuscitada com todas as forças. Foi o pior momento revelando o pior caráter.
Como diria Nando Reis, o mundo está ao contrário e ninguém reparou…