“Vamos fazer uma campanha. (…) Vamos lutar contra o feminicídio que acontece (…) em Vitória da Conquista.”
Assim tende a sentenciar os casos de relacionamentos abusivos que terminam com a morte de mulheres, os policiais envolvidos na apuração desse tipo de violência. O pior é que, ano após ano, o número de casos aumenta.
Esse tipo de violência ocorre em quaisquer tipos de classes sociais, sem distinção. Obviamente, alguns grupos de indivíduos estão mais suscetíveis devido ao nível de vulnerabilidade. Entretanto, o que caracteriza a maior propensão de tais pessoas está relacionado bem mais com questões de ordem cultural, ou mesmo por condição de saúde psíquica ou emocional.
Mas, quando todos os fatores ou predisposições estão presentes em um mesmo indivíduo, coisas banais podem ser o estopim de uma crise que, quase sempre, acaba em tragédia. Exemplo disso ocorreu nesta semana, com o episódio do feminicídio da jovem Sashira Camilly e o feminicídio tentado por um homem contra a sua companheira no Bairro Jardim Guanabara. Em ambos os casos existem alguns fatores semelhantes como a presença de algum tipo de droga na vida do agressor e algum tipo de desequilíbrio ou desajuste emocional ou psicológico. É frequente o relato de ocorrência de algum episódio no histórico do relacionamento que sinaliza algum tipo de desordem em um dos indivíduos ou em ambos.
Familiares, amigos e outras pessoas próximas podem ajudar (quando há espaço), fazendo com que ambos percebam (ou, pelo menos, a vítima) os desarranjos, quando o problema está em sua fase inicial. Uma simples crise excessiva de ciúmes, comportamento de possessividade etc. pode significar prenúncio de um relacionamento abusivo.
O que a sociedade conquistense vivenciou nesta quinta-feira (16), depois da divulgação desses lamentáveis acontecimentos, pegou muitos de surpresa. Principalmente quem vive no mundo da fantasia de pensar que está livre de tragédias como essas, porque tem um padrão de vida elevado e estável. Para indivíduos que pensam dessa maneira esses episódios surreais e bizarros ocorrem com quem vive nas periferias, longe da “civilidade”.
Decorridos mais de quatro décadas da chegada a esta cidade, foi possível acompanhar muitas histórias de indivíduos e famílias que foram vítimas de tragédias, assim como foi extremamente gratificante observar tantos outros indivíduos e famílias que, saindo da condição de extrema pobreza, evoluíram ao ponto de tornarem-se, provavelmente, os mais bem sucedidos cidadãos desta terra. Não se permite declinar nomes, ainda que o relato seja positivo, pois não há autorização fornecida pelos personagens para isso; nem se deve expor outros, no caso de desventuras, para evitar constrangimento público. Mas, como exemplo positivo, há alguns casos de crianças pobres que estudaram em escolas públicas, vivendo com um nível elevado de vulnerabilidade social, que são doutores, ou mesmo pós-doutores, vivendo bem, mesmo não sendo ricos, nem frequentando os lugares onde está presente a high society, ou como prefere o baiano, a “nata da sociedade”. Também foi possível acompanhar, mesmo que parcialmente, os desatinos de alguns que, mesmo nascendo em “berço de ouro”, e alcançando posições privilegiadas na sociedade, profissional e politicamente, viveram o resto da vida no ostracismo e em flagrante desajuste emocional e social.
O que vislumbramos no momento são as consequências de uma sociedade que padece, cujas complicações decorrentes do adoecimento, foram potencializadas ao extremo quando a banalização das drogas ilícitas aconteceu, sem que fosse possível reagir a altura.
Como finalizou na sua fala o padrasto da jovem Sashira, quando uma entrevista coletiva foi concedida, na tarde desta quinta: “Vamos fazer uma campanha. (…) Vamos lutar contra o feminicídio que acontece (…) em Vitória da Conquista.” Deve-se agir assim, pois é necessário engajamento de toda a sociedade.
Mesmo em um momento de dor e muito abatido, ele teve força e lucidez para convocar serenamente a imprensa local e as autoridades presentes para reagir, procurando sensibilizar a sociedade sobre o feminicídio.