Política

“A vitória de Rui Costa será a derrota do que restou do PT”, afirma Luis Rogério

Jequieense, 43 anos, casado, professor da Universidade Federal da BahiaUFBA, intelectual orgânico, militante do Partido dos TrabalhadoresPT, Luis Rogério é um crítico mordaz e permanente da máquina meramente eleitoral em que se transformou seu partido que, em sua visão, abandonou todos os valores de esquerda para assenhorar-se do poder institucional. Nesta entrevista exclusiva ao Blog do Sonkha, ele mostra porque é respeitado não apenas pelas suas ideias, mas pela convicção com que as pronuncia.

Formado em Enfermagem pela UESB, em 1995, Luís Rogério é mestre em Memória, Cultura e Desenvolvimento Regional pela UNEB (2008), especialista em Saúde do Trabalhador pelo ISC/UFBA (2000) e doutor em Saúde Pública pela UFMG. Implantou e coordenou (de 2001 a 2009) o Serviço de Saúde do Trabalhador de Vitória da Conquista, sendo o atual presidente da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST), composta por 18 entidades.

Com a experiência de quem atuou no movimento estudantil universitário, com duas candidaturas a prefeito pelo PT no município de Itambé (2004 e 2008), desprovido de qualquer vaidade com relação à sua sólida formação acadêmica, Luís Rogério é autor de um dos livros que fez um raio-x do que ele chama de Poder Republicano Central, o PRC. “A alma do animal político”, lançado em 2012, pela editora Kalango, é a obra por meio da qual ela evidencia sua intransigência quanto à luta pelo resgate dos princípios fundantes do Partido dos Trabalhadores e a manutenção da resistência às defecções políticas promovidas pelo campo hegemônico do PT baiano.


BLOG DO SONKHA: Você é natural de Itambé?

LUÍS ROGÉRIO: Não. Sou natural de Jequié. Em Itambé mantenho laços de amizade, profissionais, sociais e políticos desde 1997. Foi em Itambé minha primeira experiência como profissional da área da saúde pública e no campo político partidário. Acho que ser natural é se sentir compromissado com as necessidades sociais da comunidade com a qual a gente interage. Isso eu sinto em relação a Itambé.

BLOG DO SONKHA: Você graduou-se em Enfermagem pela UESB, uma instituição pública. Quando? Por que enfermagem?

LUÍS ROGÉRIO: Minha graduação em Enfermagem e Obstetrícia foi em 1995 pela UESB. Sou oriundo da escola pública e tenho muito orgulho disso. Optei por enfermagem e comecei o curso em 1988 na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). No ano da Constituinte, a universidade fervilhava, e ali atuei como diretor cultural e de assistência estudantil do DCE, e eu só tinha 17 anos. A escola e a universidade sempre foram para mim um espaço de politização e de fortalecimento da cidadania, da participação cívica no sentido mais amplo. Num dado momento, faltaram condições financeiras para me manter em Feira de Santana e precisei voltar para Jequié, concluindo o curso na UESB, o que foi uma excelente escolha que a vida fez por mim.

BLOG DO SONKHA: Como você avalia o atual desempenho sócio técnico e político das instituições de ensino superior na Bahia?

LUÍS ROGÉRIO: De um modo geral, as universidades são instituições que desempenham um papel fundamental para a emancipação social, política e econômica dos indivíduos. Mas não há como negar a influência da cultura pós-moderna na conformação da universidade de hoje. Soma-se a isso o neoliberalismo acentuado, a partir da década de 90 do século passado, com efeitos deletérios sobre o desempenho das universidades como formadora de cidadãos politizados. Questiono como professor até quando vamos aceitar o jogo do mercado que diz para a universidade qual o profissional que ele quer e a universidade produz. Urgentemente precisamos formar profissionais, mas também cidadãos críticos que compreendam o contexto onde vivem e atuam. A cultura do mercado é muito forte e tem influenciado a formação universitária numa lógica produtivista. Isso compromete o desenvolvimento de toda a sociedade.


BLOG DO SONKHA: A Folha de São Paulo publicou o ranking das universidades brasileiras em 2013. O curso de Enfermagem da UESB/Jequié recebeu a nota de 44,72, ocupando a posição 137º do ranking nacional, das 192 universidades avaliadas. A UESB ficou atrás da UFBA (83,66), da UEFS (61,68) e da UESC (52,82). Segundo a Folha de São Paulo, o ranking levou em consideração a qualidade do ensino, pesquisa, extensão, mercado, inovações, nota do ENAD, do MEC, publicação internacional, publicações de artigos em revistas nacionais e internacionais. Em que medida estes números refletem a realidade da saúde pública na Bahia? E qual é a realidade? Qual é o desempenho dos profissionais de enfermagem graduados pela UESB?

LUÍS ROGÉRIO: São muitas perguntas. Vou tentar resumir. Veja bem: na década de 90, o curso de Enfermagem da UESB era o primeiro do Norte/Nordeste do Brasil. Em Vitória da Conquista e região, quando observamos o bom desempenho do sistema de saúde, principalmente na década passada, encontraremos enfermeiros oriundos da UESB atuando na atenção básica, na média e alta complexidade do sistema, dando uma contribuição efetiva no processo de fortalecimento do SUS. Recordo-me que recém-formado, em 1995, fui trabalhar em um hospital no estado do Espírito Santo. Depois de um mês lá, vendo o nosso desempenho, a diretora administrativa me disse que existiam oito vagas para enfermagem, mas exigia que fossem todas ocupadas por enfermeiros oriundos da UESB. Assim foi feito. A realidade que vivenciei como egresso da UESB de Jequié foi essa. A perda de status do curso de Enfermagem deve-se a um conjunto de fatores, entre os quais o modo como o estado ou a gestão da universidade prioriza alguns cursos em detrimento de outros. Talvez faltem campos e estrutura material para os estágios. Talvez faltem professores efetivos. Talvez falte habilidade para o exercício da equidade por parte da gestão. Talvez falte unidade para reivindicações no âmbito da enfermagem. São só palpites.

BLOG DO SONKHA: Você considera que a concepção dos docentes que lecionam no curso de enfermagem da UESB é, em grande medida, influenciada pelo modelo médico-assistencial privatista, hegemônico, ou pelo modelo sanitarista? Por quê? Existem outras possibilidades de ensino, pesquisa e extensão de modelos alternativos? Quais?

LUÍS ROGÉRIO: Como professor do curso de Enfermagem da UFBA não me sinto à vontade em falar do curso da UESB. Posso dizer, de um modo geral, que o modelo médico assistencial-privativista é ainda hegemônico e vem ganhando força novamente no Brasil em todas as esferas, até mesmo pela omissão de muita gente que antes defendia o SUS e que hoje está na política ou na gestão fazendo o feijão com arroz que antes, pelo menos no discurso, condenava. O professor Jairnilson Paim fala do “Complexo-médico-industrial”. Isso é muito grave no Brasil e na Bahia. Envolve, influencia a formação na saúde? Sim. Fala-se muito nas ações em defesa do SUS. Por quê? Porque o SUS é uma política de caráter socialista e no capitalismo esse sistema de saúde vai estar sempre em risco. Porque estamos retrocedendo em relação à saúde pública de qualidade, e isso passa pela formação dos profissionais de saúde de acordo com a lógica de mercado, passa pela opção ideológica e passa pela despolitização dos professores e dos alunos, passa pela vontade política dos gestores. As terceirizações, as fundações estatais e o vínculo precário no emprego comprometem o SUS. Os relógios de ponto eletrônico em unidades de saúde com 10 ou 15 funcionários, em universidades, o que é isso? É a opção pelo controle e pela produtividade dentro do setor público. É o modelo privado ditando normas administrativas ao setor público, que passa atuar cegamente na busca de uma eficiência sem consciência, de uma produtividade que desqualifica o modelo assistencial. Exemplo: vemos os municípios construindo unidades de Saúde da Família. Mas onde o está o modelo? Não existe. O que prevalece é o cuidado tradicional, a lógica da produção fabril, que só favorece ao complexo-médico-industrial. Não podemos pensar as instituições de ensino e o sistema de saúde ignorando tal contexto, e a interface entre ambos. Seria um sinal de pobreza política. Alternativas? O melhor modelo de saúde é o que o SUS preconiza, ou seja, é a saúde como resultado da condição de vida, como resultado de melhor educação, melhores condições de trabalho e da participação social qualificada.


BLOG DO SONKHA: você exerce a profissão de enfermagem e a docência? Ou optou somente pela carreira acadêmica?

LUÍS ROGÉRIO: Optei pela carreira acadêmica, contudo não deixei a enfermagem, pois a relação teórico-prática com os graduandos me faz enfermeiro dia a dia.

BLOG DO SONKHA: Você fez o doutoramento em qual instituição? Qual foi o tema? Há alguma relação com a sua opção política ideológica?

LUÍS ROGÉRIO: Conclui o doutorado em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em junho desse ano. Meu objeto de pesquisa foi dor nas costas em adultos residentes em comunidades quilombolas de Vitória da Conquista. Estimamos uma prevalência de dor nas costas de quase 40 por cento na população estudada. Trata-se de comunidades socialmente vulneráveis, e dor nas costas tem o potencial de provocar incapacidade para as atividades diárias, inclusive para o trabalho, o que amplia a vulnerabilidade dos quilombolas. O tema escolhido tem relação com minha opção ideológica, sim. Tudo que estudo tem como categoria central o trabalho e suas repercussões sobre a saúde dos indivíduos e da coletividade.

BLOG DO SONKHA: Você iniciou suas atividades políticas partidárias no PT? Quando? E por que o PT?

LUÍS ROGÉRIO: A escolha pelo PT foi motivada pelo processo de redemocratização do país, quando conheci o partido e vislumbrei a possibilidade de um trabalhador chegar à Presidência da República. Foi justamente nesse período que assumi uma função no DCE da UEFS. A militância estudantil foi outro fator que me direcionou para o PT. Desde 1988 que acompanho o PT. A filiação aconteceu em 2003, quando decidi ajudar na reconstrução do PT em Itambé.


BLOG DO SONKHA: Você fez movimento estudantil na UESB? Há alguma relação política com a descoberta do PT?

LUÍS ROGÉRIO: Na UEFS integrei o DCE. E na UESB, o DA de enfermagem. Nunca consegui ficar fora da política estudantil. Esses espaços foram importantes para a descoberta do PT e para a minha formação política. Criou-se com isso o lastro que me levaria a disputar a prefeitura de Itambé por duas vezes (2004 e 2008) pelo partido.

BLOG DO SONKHA: Você fez uma opção político partidária por quê? Qual a importância desta opção? Qual foi a motivação? E o que mudou em sua vida?

LUÍS ROGÉRIO: Olha, Sonkha, sonhar sozinho até que dá. Mas lutar sozinho por um mundo melhor, por uma cidade melhor, por uma rua melhor, é impossível. Por isso sou um homem de partido. No partido me senti mais útil. Essa foi a principal motivação: ser útil ao partido e à sociedade.

BLOG DO SONKHA: Platão considerou a possibilidade de se influenciar os homens que não querem “ver”, portanto, competiria somente ao sábio ensinar e dirigir esses indivíduos. Você considera que o PT tem se comportado desta forma quando alija a militância da participação política, aniquilando os espaços internos de debates e limitando as decisões políticas às executivas, descaracterizando o colegiado? Poder-se-ia dizer que o PT tem cumprido o papel de partido dirigido por uma aristocracia de iluminados?

LUÍS ROGÉRIO: Perfeitamente. O PT retrocede nesse ponto. Há um tipo de intelligentsia que eu chamo de Poder Republicano Central (PRC), que se sente dona da luz. Os caras quebraram as pernas do PT na Bahia e se acham mestres de alguma coisa. Esse grupo hegemônico confundiu a força de vontade para fazer o partido “crescer” com a vontade da força para impor um modelo de ação pautado no silêncio dos descontentes, das tendências minoritárias. Não é chamando de força de vontade o que é apenas a vontade da força que reacenderemos a democracia dentro do PT. Isso é uma maquiagem derretida. A hegemonia que oprime estará sempre a favor da anulação da política que tem por base o debate de ideias. Aqui retomo a fala do próprio Lula quando disse que o que vem depois da negação da política é a ditadura. Pois bem, ela já existe no PT da Bahia. Digo isso porque é dado às tendências menos numerosas dentro do PT o direito de falar, mas nunca o direito de serem ouvidas. É a tirania disfarçada de indiferença que prevalece hoje nas relações dentro do PT. Se os hegemônicos insistem em ser os “iluminados”, a nos ensinar a melhor política, não entenderam ainda que não são, por isso, luminosos. Todo iluminado, para sê-lo, carece de luz exterior. A luz é a verdade. E só há verdade dentro de um partido quando ela nasce da tese e da antítese. É a verdade (perecível) contida na síntese. Mas só há síntese se houver debate. A relação hoje dentro do PT é do tipo mando-obedeço. Eu não aceito isso. O caráter republicano é só para os adversários políticos que viraram aliados temporários.


BLOG DO SONKHA: O Senhor faz parte de que ala? A dos seres sem luz própria que deveria aceitar passivamente ser “educado” e “dirigido” pela aristocracia? Ou da ala da aristocracia “esclarecida”?

LUÍS ROGÉRIO: Deus me livre dessa unanimidade burra! Eu me recuso a fazer parte de qualquer dessas opções. Veja bem, o PT na Bahia por muito tempo foi um partido especial formado por pessoas comuns: os trabalhadores. Agora corremos o risco de sermos um partido comum composto por indivíduos especiais que em nada se afinam com os princípios e diretrizes do partido. Uma gente entrou de mãos dadas com o PRC pela porta da frente de nossa casa, nos tirou do sofá e impôs o ritmo da toada. Quanto ao sofá, não tem problema, pois gentileza gera gentileza… Mas ao ritmo? Os prefeitos do PT na Bahia estão boquiabertos. Não reagem, mas sabem o que terão pela frente em 2016 com essa conduta excludente do PRC. O que há de sábio nessa aristocracia que nega o seu partido? Nada! Nesse cenário eu sou, como tantos companheiros, um exilado no território do meu partido, que luta para resgatar a democracia interna e o bom senso.

BLOG DO SONKHA: Recentemente, você publicou um livro intitulado “A Alma do Animal Político: reflexões de um petista sobre a importância dos princípios”, no qual faz reflexão critica do PT no governo Wagner. Qual é a finalidade da crítica? Qual é o público com que deseja dialogar?

LUÍS ROGÉRIO: A finalidade do livro foi homenagear e dar visibilidade histórica à história dos petistas que tem o direito de falar, mas que perderam o direito de serem ouvidos dentro do PT baiano. Foi para os petistas do interior profundo que escrevemos o livro. Um interior que pode ser geográfico, orgânico ou psicológico. Geográfico, o território onde atuamos. Orgânico, a nossa natureza coletiva, visceral de lutar, e psicológico porque é na mente que está ou não toda a motivação para desistir dos princípios. Esse livro foi um ato insano de nossa parte de tentar dialogar com a indiferença do alto escalão petista. Esse livro existe como um vassalo emancipado que, num cortejo da bajulação geral, tenta, num derradeiro esforço, tocar a ponta da capa do suserano dizendo para ele: “Olha, é você quem está no poder, mas você está agora plenamente equivocado!”


BLOG DO SONKHA: Você fala no livro sobre os “arranjos políticos” do Governador do seu partido com consequências negativas. Quais são as consequências negativas? E para quem? Quando? Como?

LUÍS ROGÉRIO: Existem evidências de que os arranjos políticos interferem na qualidade das políticas públicas. Estudos sobre desempenho de governos mostram que as disputas em torno do que deve ou não o estado fazer para a sociedade são disputas setoriais, e cada setor defende sua pauta e isso não ocorre sem cunho ideológico. Disso nascem os conflitos setoriais para a aprovação do orçamento nas câmaras e nas assembleias, por exemplo. Alianças com setores conservadores ajudam a aprovar projetos? Sim! Mas afetam a qualidade da ação do Estado, porque nenhum agente da direita ocupa espaço em um governo de esquerda para figurar. Naturalmente, nos bastidores, ele interfere. Na Bahia, a coisa é mais grave. A direita cooptada interfere abertamente. Toma o sofá e determina a dança. Existe aqui a predominância da força centrífuga na política adotada por Wagner e Rui Costa. Deixamos nosso lugar de origem (ideológica) para privilegiar os adversários cuja posição história foi sempre a de condenar o modo petista de governar. Dá pra entender uma “iluminação” dessa?

BLOG DO SONKHA: Você avalia a lógica da política da governabilidade do Governador Jaques Wagner como sendo um pragmatismo despolitizante? Por quê?

LUÍS ROGÉRIO: Por tudo o que disse antes. Falta a força centrípeta nas relações políticas do Governo Wagner. O modus operandi petista essencial atrai pouco. Estamos no poder, mas, está claro que é o PT é quem adere. É meio esquizofrênica uma relação política assim. Porque eu estou convencido que a governabilidade é necessária, porém, não ao preço do silêncio, nem da fratura das pernas do partido como aconteceu na Bahia, pois isso nos põe como reféns das forças tradicionais nos pleitos. Exemplos não faltam: Jequié, Itambé, Itapetinga… Todo mundo amarrado, sem lastro, dependentes, insetos catando uma luzinha externa para girar em volta, quando tínhamos musculatura, ou coragem moral, para tomar mais porrada, mas crescer verdadeiramente como alternativa para as sociedades. Muitos foram pelo caminho fácil que reforçou a subserviência a um ou outro grupo tradicional. Está lá no nosso livro a pretensão de nosso candidato Rui Costa de fazer, em 2012, 100 prefeituras do PT. Não conseguimos. Mas o que está claro no livro é que quase 30% dos prefeitos do PT em 2008 vieram de outros partidos (inclusive do PL e PFL) com filiações muito estranhas aplaudidas pelo Poder Republicano Central (PRC). Isso não é crescimento. É inchaço e desconfiguração. E agora?  Houve um exagero do PRC em menosprezar o PT nesse processo de entrega da bandeira. A política de abrir porteira, além de impor o silêncio à militância, teve como saldo duas derrotas sequenciadas para prefeito em Salvador, com Pinheiro e Pelegrino. No interior profundo os companheiros da primeira hora foram tratados como vassalos induzidos a aderir aos acordos e alianças com carlistas que migraram, no apagar das luzes, para a base aliada. Deixamos de eleger companheiros em 2008 e 2012, ACM Neto venceu na capital, tivemos segundo turno em Vitória da Conquista, Paulo Souto lidera as pesquisas e eu ainda não entendi a função desse pragmatismo que os hegemônicos defendem, e o que passou a se chamar no governo Wagner de “relações institucionais”, que feriu de morte a militância do PT nos municípios, e impediu vários companheiros sérios de chegarem ao poder.


BLOG DO SONKHA: O PT não ampliou a bancada de prefeitos em 2008 porque o Governador preferiu respeitar os acordos estranhos à militância alinhavados em 2006. Potencialmente, o PT abriu mão de aumentar sua força eleitoral e consequentemente suas chances reais de ampliar suas cadeiras no parlamento nas eleições em 2010. Algumas candidaturas, como por exemplo, a sua em Itambé, com chances reais de vitória, foram literalmente defenestradas pelo operador do Palácio de Ondina, Rui Costa, para atender aos correligionários de aliança e manter a governabilidade. Quais são as consequências destas práticas na consolidação de políticas públicas e avanços do programa de governo petista? Causarão danos somente às candidaturas em âmbito municipal ou ao município?

LUÍS ROGÉRIO: Evidente que causam algum dano. Mas eu não seria ingênuo de acreditar que bastaria o apoio do governo para ganhar uma eleição. Situações locais pesam muito, obviamente. Qual o desejo da militância? Se não vai ajudar, Wagner, não atrapalha. E atrapalhou. Fez o jogo da direita. Dançou o forró que ela tocou no nosso quintal. Na verdade, o Poder Republicano Central tratou o interior como um pedaço de terra além-mar, como se as pessoas não tivessem acesso à informação. O eleitor pensou assim: “se o governo do PT tá com todo mundo, tanto faz votar no PT ou não”. Para mim eleição é um processo para o fortalecimento da ação política, e de um projeto de desenvolvimento das cidades que é processual. O PRC, ao fazer a política da “porta aberta”, como defende Wagner, impediu esse processo, o processo do crescimento gradativo do PT nos municípios, naquilo que somos diferentes, fortalecendo as forças tradicionais nos territórios, que usam a mesma porta agora para abandonar o barco.  O DEM já conta com 18 partidos aliados para essas eleições contra o PT! É natural. A consequência pior dos equívocos do PT na era pós-Wagner foi essa: expor a população baiana ao risco de retrocesso do desenvolvimento socioeconômico em alguns lugares e a estagnação em outros.

BLOG DO SONKHA: Você poderia falar um pouco sobre sua trajetória de militância política no PT? Quando e por que o PT?

LUÍS ROGÉRIO: A política sempre foi para mim uma motivação para a cidadania e não um meio para chegar ao poder de qualquer jeito. Em Itambé, por exemplo, quem me conhece sabe que sou daqueles que carrega estrela no peito e bandeira nas costas. Ali recusei fazer alianças com a direita em 2004 e 2008, porque a direita ali não muda nada. O PT é o caminho institucional para chegar ao poder, mas eu defendo uma militância e uma disputa qualificadas. Em 2006, por exemplo, fiz o mestrado na UNEB, e o objeto da pesquisa foi o desenvolvimento socioeconômico de Itambé. Se for para chegarmos ao poder temos que saber o que fazer quando chegarmos lá. A gestão tem que ser qualificada e não fatiada. Vencer eleições é uma coisa, saber administrar com honestidade e competência é outra. Então estudei a cidade, os seus entraves e o seu potencial de desenvolvimento. Pensar a cidade e planejá-la no molde do governo participativo sempre foi uma meta.

BLOG DO SONKHA: Você foi candidato a prefeito pelo partido no município de Itambé. Por que aceitou este desafio? A institucionalidade é um meio ou fim da política partidária?

LUÍS ROGÉRIO: Aceitei ser candidato porque queria mudar a cidade. Sou inconformado com o modelo político pautado no dinheiro, no ódio e no rancor que marcam as disputas nas cidades. Muda governo e a cidade não muda, porque o modelo político é sempre o mesmo, a matriz ideológica não se altera. Não há preocupação com a formação técnica e ideológica dos candidatos.  Trabalhei na saúde pública de Itambé e pude ver o quanto o modelo político é nocivo ao município. São quase meio século de uma disputa entre dois grupos que não fazem a cidade acontecer. De 2000 para cá Itambé estagnou de tal maneira que dá pena. Aceitei o desafio de disputar a prefeitura em 2004 para consolidar o partido, e, em 2008, para levá-lo ao poder, pensando que com isso poderia contribuir para o desenvolvimento do município. A política partidária para mim é um processo para a construção de um projeto de governo e não para um projeto pessoal, e, sendo assim, a institucionalidade garante a legitimidade e a operacionalização desse projeto. Mas, contraditoriamente, em 2008, o nosso maior adversário foi o governo do estado que ajudamos a eleger.


BLOG DO SONKHA: Você continua militando no Partido dos Trabalhadores. Qual é a tendência em que atua? Tem alguma expectativa política no Partido dos Trabalhadores?

LUÍS ROGÉRIO: Já não sei se o que faço hoje é militância. A desconfiguração do PT foi tão forte na Bahia e no município de Itambé que é preciso rever o conceito de militância petista para eu responder uma pergunta tão relevante como essa. Hoje optei pelo Coletivo Ética Socialista, talvez para voltar a ter esperança, para obter melhor foco num cenário de total perda de referências. Se tenho expectativas políticas? Não tenho. Os canibais do PRC morderam forte. A cabeça está boa, entretanto, a carne tá bem moída. Mas tenho esperança. Esperança de ser útil, no campo das ideias, mesmo ou apenas dentro do coletivo que o PT representa. Aí eu ouço externamente o Poder Republicano Central pedir: “eu quero a militância na rua para eleger o Rui!”. Eu também quero. Mas também quero eleger os companheiros que querem mudar as cidades. O esforço agora é para entender esse conceito de militância, e principalmente onde ela está e o que sobrou dela depois da farra canibalesca. É tudo muito hilário, não é? E ao mesmo tempo estamos num ano eleitoral em condições de dar risadas? Não estamos.

BLOG DO SONKHA: Qual a conjuntura nacional e estadual nestas eleições e as expectativas para o PT? Quais os principais desafios para o PT?

LUÍS ROGÉRIO: O PT mudou a cara do Brasil. Existem conquistas inigualáveis, principalmente quanto à redução da desigualdade socioeconômica e precisamos defender isso. O fosso que separa pobres de ricos no país está se estreitando, mas sabemos que falta muito para sermos o país dos sonhos. A conjuntura nacional é favorável à reeleição de Dilma. Existe um saldo positivo em seu governo. Ela não tem como perder um debate com as figuras que estão na disputa. Não há ninguém à altura para fazer o contraponto. Contudo, na Bahia, o PT perde a eleição, mas Rui Costa vence o pleito. É triste ver a realidade: a vitória de nosso candidato será a derrota inequívoca do que restou do nosso partido. Fazer o que? O principal desafio nessas eleições é a ajudar a população a recordar o quanto avançamos no Brasil desde 2002 com o PT no governo.

BLOG DO SONKHA: Como você avalia a composição da chapa majoritária na Bahia? Observa alguma dificuldade para a militância fazer a campanha para o candidato petista? E o Senado?

LUÍS ROGÉRIO: Eu só tenho a dizer uma coisa sobre a escolha da chapa majoritária, com Otto Alencar para o senado e João Leão na vice de Rui Costa: Eu sou de fato um analfabeto político!

BLOG DO SONKHA: Caso a militância resolva não aderir à campanha por causa da política de aliança do Governador, quem fará a campanha? De quem é a responsabilidade para eleger a candidatura ao governo da Bahia?

LUÍS ROGÉRIO: Para esse governo a militância não é nada. É um jogo de cena apenas. Não faltará quem faça a campanha, como não faltou em 2010. Existe a cultura da vassalagem e haverá sempre quem lute pelo poder, aqueles dispostos a derramar sangue vermelho ou sangue azul na batalha. No final, a responsabilidade de eleger essa chapa é do eleitor. Não é do povo que emana todo o poder? A militância hoje, repito, é um conceito a ser redefinido. Não dá para definir militância e o seu protagonismo nos pleitos atuais na era pós- Wagner. Corremos o risco de ao gritarmos pela antiga militância estarmos evocando fantasmas. É triste, porém, é uma realidade.

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