Há exatamente um ano e dois dias, Marina Silva via naufragar seu sonho de fundar um partido para disputar a Presidência da República.
O fracasso na criação da Rede Sustentabilidade levou a ex-senadora de 56 anos a uma jogada ousada para tentar quebrar os 20 anos de polarização entre PT e PSDB.
Nos 366 dias que se seguiram, Marina foi protagonista dos mais surpreendentes lances da corrida presidencial de 2014 e percorreu extremos. Saiu da condição de carta fora do baralho à de favorita –logo uma ex-petista– a destronar os 12 anos de gestão do PT no Palácio do Planalto.
Calculou o passo e, dois dias após a Justiça Eleitoral barrar a criação da Rede, pegou de surpresa o mundo político ao aderir à candidatura de um até então concorrente, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB). Tornou-se sua vice na chapa.
Mas a cartada que havia provocado reviravolta nas contas de seus adversários foi reduzida a quase nada na narrativa desta eleição. A tragédia de 13 de agosto, que matou Campos e outras seis pessoas no início da campanha, levou Marina ao topo de uma das maiores comoções da história política do país.
A ex-senadora foi imediatamente alçada à condição de favorita para vencer Dilma Rousseff (PT) em outubro. Na primeira simulação de segundo turno após o acidente, tinha dez pontos percentuais à frente da petista e liderava a corrida presidencial.
A rápida ascensão, no entanto, expôs as fragilidades da campanha e também da candidata, que virou alvo do PT e do tucano Aécio Neves.
Marina sentiu o golpe. Chega a este domingo (5) com 12 pontos percentuais a menos do que obteve no auge da candidatura –34% das intenções de voto no final de agosto.
No balanço de erros e acertos da campanha, os próprios aliados reconhecem que Marina deu munição aos rivais.
Um dos maiores deslizes, dizem, foi o “amadorismo” na confecção do programa de governo. O trunfo de ser a única a apresentar um documento detalhado acabou se tornando um problema.
Menos de 24 horas após a divulgação do texto, Marina havia recuado nas propostas para a comunidade gay e para a área energética. Bastou para que os adversários explorassem a imagem da candidata como a de quem muda de opinião ao sabor de pressões e circunstâncias.
Ao fazer apenas uma referência ao pré-sal nas 242 páginas do programa, Marina deu a senha para o PT acusá-la de desprezar os recursos bilionários da exploração de petróleo no fundo do mar.
Outro erro crucial, de acordo com interlocutores, foi Marina ter se recusado a se aliar a líderes políticos importantes, em nome da “nova política” que embalou a frustrada criação da Rede.
Caso assumisse o diálogo com esses quadros logo após a morte de Campos –entre eles Geraldo Alckmin (PSDB), que deve se reeleger hoje em São Paulo–, a candidata poderia ter afastado a percepção de que lhe faltava lastro político para governar, outra crítica que enfrentou durante todo o processo eleitoral.
Se conseguir estancar a desidratação nas últimas horas antes da eleição e conquistar uma vaga no segundo turno, além de fazer as pontes políticas que darão sustentação a seu novo discurso, mais direto e objetivo, Marina terá que resolver outro problema: o da comunicação.
O argentino Diego Brandy é especialista em pesquisas sobre as tendências do eleitorado, mas não é um típico marqueteiro, descrição que a ex-senadora valoriza.
Integrantes da campanha, porém, avaliam que Brandy não criou uma narrativa para a propaganda eleitoral e demorou para levar o tom emocional à TV. O argentino tinha medo de “fragilizar” a imagem da pessebista.
Achava cedo para isso. Carregada pelos números que a mostravam como a via capaz de vencer Dilma Rousseff, Marina assumia a campanha com pompa de vitoriosa.
Passaram-se 12 dias de euforia marineira até o PT mirar a candidatura da ex-senadora como principal alvo.
Após três semanas de ataques, na reta final do primeiro turno, os sinais de cansaço começaram a aparecer.
Marina está mais arredia, mais magra e rouca. Mas, como costuma repetir, situações de adversidade podem envergar, mas não derrubar quem foi vítima de seguidas doenças na adolescência, recebeu de médicos três “sentenças de morte” e chegou onde chegou tendo nascido no paupérrimo seringal Bagaço (AC).
A ex-seringueira Marina Silva está acostumada a viver no fio da navalha. *Folha de São Paulo