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ENTREVISTA: “Quem vê em Sérgio Moro um herói tem problemas psicológicos”, afirma Luis Rogério…

Dono de formidável bagagem intelectual, cientista político por excelência e profundamente crítico de uma dúzia de posturas adotadas pelo seu partido – o PT – na gestão da máquina pública federal e estadual, o professor Luis Rogério Cosme demonstra com clareza de raciocínio o que diferencia os projetos em conflito no Brasil. Segundo o estudioso – duas vezes candidato a prefeito de Itambé, 2004 e 2008 –, está evidenciado o olhar distinto dos dois polos da política brasileira no trato de questões socioeconômicas e o modelo de desenvolvimento. O PT traz em seu bojo um apelo social, seus opositores admitem uma lógica restritiva de mercado.

Jequieense de 43 anos, casado, professor da UFBA, escritor e dirigente partidário, ele é formado em Enfermagem pela UESB e doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais, com mestrado em Memória, Cultura e Desenvolvimento Regional pela Universidade da Bahia. Especialista em Saúde do Trabalhador pelo ISC/UFBA, ele coordenou, de 2001 a 2009, o Serviço de Saúde do Trabalhador de Vitória da Conquista, integrando a coordenação da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST), composta por 18 entidades. Luís Rogério escreveu “A alma do animal político”, lançado em 2012, obra na qual denuncia a criação do que ele chamou de Partido Republicano Central.

Nesta entrevista ao Blog do Fábio Sena, o professor Luis Rogério afirma que antipetistas existem desde que o PT foi criado na década de 80. Mas que há um fenômeno novo em observação que é a ocorrência de petista contra petista. Segundo ele, em momentos de crise política que a experimentada atualmente, a “esquerda do PT” é quem vai às ruas, evidentemente que com contundentes críticas ao chamado campo hegemônico do partido, responsável pela orientação política do governo.

BLOG: Que avaliação é possível fazer do atual momento político brasileiro?
LUIS ROGÉRIO: Eclodiram as diferenças que estavam debaixo do tapete, desde que o PT assinou a Carta ao Povo Brasileiro, criando uma falsa atmosfera de paz e amor com a elite brasileira. E, mais do que isso, evidenciada está a forma desigual como dois polos da política brasileira tratam as questões socioeconômicas e o modelo de desenvolvimento na América Latina: Um pelo social e o outro seguindo uma lógica restritiva de mercado, imposta pelos Estados Unidos. É um momento de crise, mas um momento necessário para o fortalecimento de posições antagônicas no campo político-ideológico que não podem mais ser arquivadas ou negligenciadas.

BLOG: Qual a responsabilidade do Partido dos Trabalhadores em todo esse processo de grave crise política, desta polarização que vem pondo em confronto petistas e antipetistas?
LUIS ROGÉRIO: Olha, petistas e anti-petistas sempre existiram desde que o PT foi criado na década de 80. O que eu vejo para-além disso é petista contra petista. A sociedade precisa saber que o PT não é um partido homogêneo. A esquerda do PT, aquela que só é usada quando a coisa aperta para ir às ruas, está revoltada com os hegemônicos do partido que chegaram ao poder e desandaram a massa, no duplo sentido.

Responsabilidade… É uma palavra muito forte. Responsabilidade sobre o que? O que vejo em pauta é a corrupção, na base da disputa pelo poder.  Então o PT é, no máximo, co-responsável de tudo isso.  Veja que se a política brasileira tivesse sangue este seria formado por hemácias de corrupção e hematócritos de hipocrisia.  Nesse laboratório, partido nenhum sai ileso às investigações dessa natureza, pois o modo como as campanhas são financiadas coloca a todos em suspeição no acesso ao poder. Responsabilidade é um termo que soa como auto-culpa, e isso é arriscado em período de falso-moralismo, fascismo e de inquisição midiática como estamos vivendo.

BLOG: O Governo da Presidenta Dilma Roussef pode ser considerado um governo de esquerda?
LUIS ROGÉRIO: Em alguns aspectos sim, em outros não. Ela vetou artigos importantes da lei de terceirização, criou o “Mais Médicos”, enfrentando com coragem o capital e o complexo-médico-industrial, que é uma ferrugem para o SUS; manteve, ao custo de “pedaladas”, a política social… Mas é um governo refém de um Congresso Nacional reacionário. Nesse cenário, o governo pode até ter vontades, entretanto, vai perdendo a identidade. Agora eu prefiro esse governo que qualquer outro cuja matriz seja o estado mínimo, e o mercado como senhor de todos nós. É ai que mora o perigo que a massa, levada pela mídia, pela frustração, não consegue enxergar.

BLOG: O Partido dos Trabalhadores é ainda hoje um partido de esquerda?
LUIS ROGÉRIO: Sim. O partido do ponto de vista do programa é de esquerda. O governo nem sempre tem sido, ao adotar, pontualmente, a agenda neoliberal como moeda de barganha com o congresso, com o mercado, como já sinalizei.  Todo partido tem suas contradições internas quando chega ao poder, o PT não é exceção… O que se esperava do governo petista era maior coragem para romper com os arranjos políticos espúrios e intensificar as reformas. Mas decididamente, não é um governo que entregou o Brasil ao capital internacional, nem se rendeu à agenda do neoliberalismo econômico em sua plenitude. Aliás, esse é o motivo do “fora Dilma!” e “fora PT”, motivados pelas forças conservadoras que não aceitam, por exemplo, o destino de recursos para as políticas sociais, como o programa bolsa família, as cotas e bolsas universitárias para quilombolas, índios e grupos de cidadãos em vulnerabilidade social.

BLOG: Quais os partidos de esquerda hoje no Brasil?
LUIS ROGÉRIO: Poderia citar, como partidos de esquerda, o PT, o PSOL, PSTU e outros que proclamam alternativas ao neoliberalismo com o fortalecimento do papel do estado. Acredito que o PSB está em processo de definição de identidade, desde o último pleito quando apoiou o PSDB no segundo turno contra Dilma. A REDE, recém-criada, possui um manifesto bem definido, mas com quadro ainda em formação. Só o tempo dirá.

BLOG: Existe partido de direita no Brasil? Qual ou quais? Como identificar?
LUIS ROGÉRIO: No passado era mais fácil classificar um partido de direita. Se estava contra a democracia, a favor da ditadura militar, era partido de direita. Conquistada a democracia, hoje o que o caracteriza é a política de desenvolvimento que defende e a postura em relação às minorias. Os partidos de direita tem problemas com o estado interventor, que regula o mercado. São, a priori, aqueles que não compreendem porque os negros e pobres precisam de cotas nas universidades, porque devem existir lei contra homofobia, porque a saúde e a educação devem ser universais e gratuitas, porque investir em agricultura familiar se na visão deles é o agronegócio que favorece mais o PIB…. Ou seja, são aqueles que querem o impeachment da presidente Dilma, porque ela deu “pedaladas fiscais” para não deixar à miséria aqueles que carecem de maior investimento social. Identifica-se um sujeito de direita quando ele, ao olhar pelo binóculo da história, somente enxerga por um olho, geralmente pelo viés da Casa Grande, trazendo sempre na boca o discurso do equilíbrio fiscal acima da vida humana, o discurso da moralidade e pela democracia, o que o torna um sujeito bonzinho e insuspeitado.

BLOG: O comportamento da Justiça brasileira pode ser considerado imparcial ou há evidências de uma predileção pela caça aos petistas?
LUIS ROGÉRIO: Imparcial? Nunca. Eu sou um crítico ao modus operandi adotado pelos governos petistas no Brasil e na Bahia. Na Bahia, principalmente, onde Wagner e Rui Costa criaram um feudo, uma vassalagem nova em nome de alianças muito estranhas. O Rui Costa, mentor intelectual da venda do PT a baixo custo, matou o PT crÍtico que havia nos municípios em prol de ampliação do poder.  Fui o primeiro militante a denunciar a formação de um Poder Republicano Central (PRC), um tipo de republicanismo falacioso na Bahia, e por isso tornei-me persona non grata, ao publicar isso em livro (A Alma do Animal Político, em 2012).  Mas nem por isso eu estou atabalhoado, nem faço discurso vingativo contra o PT baseado em rancor. Então, posso te responder, sem receio de estar amarrado pelo umbigo aos traidores do partido: quem vê em Sérgio Moro um herói, acima do bem e do mal, tem problemas psicológicos graves em relação à perda da paternidade, ou sofre do complexo do príncipe encantado que nunca veio. Ou volta para o banco da escola pra estudar história do Brasil ou vai fazer terapia.

BLOG: A mídia brasileira tem atuado no sentido de criminalizar o PT e abrandar para o lado da oposição?
LUIS ROGÉRIO: Os que cometeram erros que paguem após a devida apuração e o devido julgamento. O que está acontecendo no Brasil é um massacre midiático, preconceituoso, movido pelo desejo de poder e estrelato de procuradores e juízes. A questão da mídia já saltou aos olhos. O ping-pong com a “Lava Jato, com vazamentos de escutas ilegais, isso é o que mesmo? Isso estava dando certo até os movimentos sociais, juristas sérios e intelectuais perceberem a manobra e partirem para o contraponto. Trata-se de uma mídia que deve milhões ao governo federal e não quer perder o status quo. O capital é racional e compulsivo e a mídia conservadora (a Globo, principalmente) é porta voz desse capital. A grande mídia não está nem ai para a Justiça. Ela quer alguém que pague a sua dívida. Qual o erro que o governo petista cometeu? Não se negocia, nem se convive por tão longo tempo com algo que não tem senso de moralidade sem pagar o preço da desmoralização. Não se sela acordos sem lastro com aqueles cuja ética é explorar a mais valia, o sangue e suor da classe trabalhadora, para manter privilégios da elite, sem pagar caro por isso. Ainda mais tendo a base da pirâmide social a bradar por mais atenção, mais recursos, nas áreas da saúde e educação, principalmente. O Partido dos Trabalhadores paga agora o preço por ter feito as mudanças pela metade, e por ter ignorado a ofensiva conservadora. Paga por não ter escutado a militância, as bases. Paga por se deixar picar pela mosca azul, como explicou Frei Beto.

BLOG: Os movimentos antigoverno que aconteceram neste domingo e que levaram milhares às ruas estão dizendo o que à sociedade?
LUIS ROGÉRIO: Estão sinalizando que a mídia golpista tem força junto a uma parcela da população que também tem seus interesses, seus desejos. Pode ser arrogância de minha parte colocar a mídia como motivadora dos interesses, mas não é a primeira vez na nossa história que uma classe marcha conforme as manchetes de jornais… Vamos ver que diferentemente do que aconteceu em junho de 2013, não se enxerga, por parte desses movimentos, hoje, uma pauta concreta. As bandeiras são “fora Dilma, fora PT!”; “abaixo a corrupção!”. Clichês midiáticos reproduzidos à exaustão. Não vejo proposta alguma para o país. Aliás, eu vejo jovens despolitizados da classe média perdidos na multidão. Não querem pertencer à classe trabalhadora, ao mesmo tempo servindo de massa de manobra, sonhando ser a burguesia que não serão. Tem quem sonha com a volta da ditadura assassina, tem quem levanta bandeira para o neonazismo… Uma classe sem identidade querendo reescrever o Brasil…  Como pode isso? Muita gente branca, rica, e falando dos bons costumes, fazendo o patrulhamento moral dos outros, do país, como se a terra fosse um paraíso, e nossa história não fosse a história dos sádicos colonizadores, genocidas e escravocratas. Rezando no meio da rua, com os corações carregados de veneno… Quem é essa juventude mesmo? Então, o que esses movimentos querem fazer é uma inquisição ideológica latino-americana, com a tocha dos EUA nas mãos. Querem gritar contra a esquerda brasileira, e não o fazem por desconhecimento cultural: “Carcará! Pega, mata e come!”. Quando eles descobrirem que foram usados, as suas fogueiras “santas” já torraram os cadáveres dos menos culpados e dos inocentes. Ai eles voltarão ao consumo intenso para agradar ao capital e para saciar os seus vazios existenciais, sem contribuir um centímetro para mudança do país, mas garantiram seus 15 segundos de fama na tela da Globo, nas passeatas de domingo.

BLOG: Em toda essa celeuma que põe em lados opostos petistas e antipetistas é possível perceber alguma disputa ideológica real sobre os rumos do Brasil? Ou seja: há algum conteúdo que possa servir de rumo ao país a partir desta disputa?
LUIS ROGÉRIO: O grande conteúdo está na evidência da necessidade de ruptura com a estrutura política nos moldes atuais. Infelizmente, qualquer mudança na estrutura política pede intervenção do Congresso, e este é o pior Congresso desde o golpe de 64. Ele é conservador, autoritário e golpista. Esse Congresso só pensa agora em colocar o PMDB no poder. Nada mais que isso. Para ele o Brasil é a banana a ser descascada. Com o governo do PT o Brasil foi respeitado lá fora e aqui. Agora querem dizer que nada serviu? Este Congresso não tem compromisso com mudanças verdadeiras que favoreçam a sociedade brasileira. De outro lado, temos um judiciário de primeira instância que integra o elenco da rede Globo. É um jogo de cena atrás do outro. É uma telenovela. É uma crise também da justiça brasileira, corrompida pela vaidade que a TV sabe explorar. Estamos derretendo. O que vai brotar disso, eu não posso dizer. Mas no meio de tantas dúvidas, tanta podridão bilateral, eu fico do lado podre-esquerdo-do-Brasil e vou para as ruas como sempre fui…

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