Agência Brasil – A primeira rodada do Campeonato Brasileiro da Série D marca o fim de um tabu. Após 7 anos, uma mulher vai ser árbitra em uma partida das quatro divisões do futebol brasileiro. A pernambucana Deborah Cecília vai apitar a partida entre Murici (AL) e Campinense (PB) neste domingo (12). A última árbitra em competições nacionais foi Simone Xavier Paula e Silva. Em 05 de julho de 2009, ela apitou o jogo entre Ituano e Uberaba, pela Série D.
Ao site da Federação Pernambucana de Futebol, Deborah, aspirante ao quadro da Fifa, disse que ficou surpresa: “Eu realmente não esperava ser sorteada, depois de tanto tempo sem as mulheres apitarem um jogo de mais importância. Mas sei da responsabilidade que tenho e agora sei que vou representar não só Pernambuco, e as minhas colegas daqui, mas sim a arbitragem feminina de todo o país.”
A participação da árbitra pernambucana no jogo do próximo domingo é mais um capítulo de uma história que começou “na clandestinidade” com Léa Campos na década de 1970, passou pelo auge no final do Século XX e início do Século XXI, com Silvia Regina, e teve alguns episódios de machismo.
Fase 1 – A clandestinidade
A história das árbitras no futebol começou com a mineira Léa Campos. A jornalista, que hoje trabalha em um jornal para brasileiros nos Estados Unidos, fez o curso em uma época em que o futebol era proibido para as mulheres. “Terminei o curso de árbitros em 1967 e apitei ‘clandestinamente’ até 1971. Isso porque a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) não queria me dar apoio”, afirma.
Durante os tempos de árbitra, Léa Campos teve de quebrar tabus fora de campo. “Por incrível que pareça, enfrentei mais preconceitos vindo das mulheres. Diziam que eu estava apitando para arranjar um marido rico”, diz. A Sociedade da Tradição, Família e Propriedade (grupo conservador) chegou a fazer a um abaixo-assinado para a CDB cassar o registro dela. “Sempre tinha um olheiro nos meus jogos esperando pelo meu primeiro erro grave. Mas ele não aconteceu”, conta Léa.
Dentro de campo, ela afirma que enfrentou um grande caso de machismo. Em um jogo entre Ferroviário e Fortaleza, em 1971, um jogador foi expulso e não quis sair de campo. “Ele dizia que nunca um homem tinha o expulso e que não iria ser uma mulher que faria isso”, conta Léa. Após a “rebeldia”, ela pediu ajuda da polícia para retirá-lo do campo, mas não foi atendida. “A polícia disse que não poderia tirá-lo porque apoiava o time. Aí tive que conversar de forma mais dura. Falei que a família dele toda estava lá e que eu iria tirá-lo de qualquer forma porque eu era faixa preta”. O jogador saiu de campo, mas prometeu “acabar” com a carreira dela. “Eu disse que ele poderia fazer o que quiser lá fora, mas aqui dentro eu era a autoridade. Ele começou a falar que foi ameaçado por mim, mas ninguém deu muita bola”, relata.
A carreira de Léa durou até o ano de 1974, quando um acidente de ônibus a impossibilitou de continuar atuando nos campos. Em toda a carreira, ela nunca apitou um jogo de campeonatos nacionais.
Fase 2 – A época de ouro
A primeira vez que uma árbitra apitou jogos em campeonatos brasileiros foi em 1998. Daquele ano até 2006, a arbitragem feminina teve o seu “período” de ouro no país. Cleide Rocha, Silvia Regina de Oliveira e Martha Peçanha apitaram jogos das Séries A, B e C do Brasileirão.
A estreia das mulheres no apito foi com Cleide em um São José e Nacional na Série C em 1998. Porém, foi o nome de Silvia Regina que ganhou o maior destaque na história do futebol brasileiro. Foi ela a primeira mulher a apitar um jogo de Série A: Guarani e São Paulo, em 2003. “Na época, as mulheres puderam finalmente realizar o sonho da Léa Campos de arbitrar grandes jogos”, conta Silvia.
Ela disse que o auge no Brasileirão foi apitar um clássico: “No Campeonato Brasileiro todos foram maravilhosos, pois quantas pessoas não gostariam de apitar uma série A e quão poucas o fizeram mas dentre elas destaco um clássico com o Morumbi lotado, São Paulo x Corinthians”. Em 2005, ela apitou o último jogo de mulheres na Série A: Fortaleza e Paysandu.
Nos campos, Silvia diz que a mídia era menos paciente quando o erro era de mulheres: “É normal que a mídia destaque de forma mais evidente um equívoco da mulher, pois é grande o interesse do popular, fazendo assim uma notícia que seria de rodapé tomar proporções gigantescas. Atribuo isso a questões referentes a nossa formação cultural”.
Em 2006, Martha Peçanha apitou alguns jogos na Série B. O último deles (Paulista e CRB) teve um episódio de preconceito. A partida terminou 2 a 2 e após o jogo, o técnico Vagner Mancini (à época do Paulista) disse que mulheres não deveriam apitar jogos masculinos: “Eu acho que a mulher não está preparada para acompanhar o ritmo de um jogo de futebol jogado por homens. Acho justo haver juízas, mas mulher apita jogo de mulher e homem apita jogo de homem”. As críticas estão registradas em reportagens da época.
Fase 3 – Novos testes físicos e “fim das arbitragens”
Coincidentemente, Martha não apitou mais jogos naquele campeonato e o endurecimento de regras nos testes físicos em 2007 dificultaram a escalação de árbitras em jogos de expressão nacional: “As provas físicas são complicadas até para os homens e para as mulheres ainda mais difíceis. Elas têm de treinar mais para terem o mesmo desempenho”, diz Silvia.
Depois das mudanças nos testes físicos, as arbitragens femininas se restringiram a jogos da Série D. Sendo que o último foi o apitado em 2009. Deborah, espera mudar esse panorama, fazer com que a arbitragem de campeonatos nacionais não seja algo esporádico e alçar voos como o de Silvia Regina: “A meta agora é apitar ainda mais jogos, durante este, e nos próximos anos”.