Por Luiz Henrique Machado de Paula
Câmara de Vereadores de Vitória da Conquista promoveu um debate para discutir a implantação de uma Guarda Municipal, pois esta seria uma demanda da população conquistense e estava na base de propostas de todos os candidatos ao cargo de Prefeito Municipal no último pleito eleitoral, ou seja, chegaríamos neste ponto independente de quem quer que fosse o eleito.
Pelo caminhar das discussões naquela casa legislativa, percebe-se que seus defensores desejam uma Guarda Municipal para atuar como se fosse uma nova “força policial” em apoio às demais polícias, em especial, à Polícia Militar. Seria uma “agência” municipal contra o crime, mas esquecem que só as infrações penais que atentem contra bens, serviços e instalações municipais, com respaldo na Constituição e na Lei, poderão ser objeto de ação dos Guardas Municipais, nos outros crimes, sua atribuição é a mesma de qualquer cidadão, com poder geral dado pelo art. 301 do Código de Processo Penal.
A criação de Guardas Municipais está autorizada pela Constituição da República de 1988 (art. 144, § 8º) e foi disciplinada pela Lei 13022/14. Segundo a Constituição, uma Guarda Municipal só pode ser criada para a “proteção de seus bens, serviços e instalações”, função que é ressaltada nos art. 2º e 4º da lei que regulamenta a atuação das mesmas.
Criar uma Guarda Municipal para desempenhar papel supletivo às Polícias Militares, para realizar patrulhamento e vigilância ostensiva é incorrer em inconstitucionalidade e ilegalidade.
Deixemos de lado (por enquanto) a discussão sobre a constitucionalidade e legalidade da atuação das Guardas Municipais (tolerada na maior parte do país) e vamos pensar sobre as questões sociais e econômicas que nos fazem dizer que Vitória da Conquista não precisa e não possui recursos financeiros adequados para a implantação da respectiva “agência”.
Dentre inúmeras questões que podem ser levantadas, duas questões devem ser respondidas: Quanto vai custar criar e manter a Guarda? Qual o impacto na segurança da população para justificar o valor investido?
Para a primeira pergunta, a resposta é relativamente fácil. A Secretaria de Finanças do município tem profissionais capazes de calcular e projetar os custos e averiguar a capacidade orçamentária. Mas, façamos alguns cálculos livres.
Vejamos, o Prefeito informou que pensa iniciar a Guarda com 150 (cento e cinquenta) servidores, dentre estes, 50 (cinquenta) armados (ressaltou a necessidade de estudo de viabilidade econômica, isso é importante deixar claro).
Pensemos apenas nos 50 (cinquenta) servidores armados. Em sites de buscas encontrei vários resultados de licitações para a aquisição de armas, coletes, munições e algemas. Considerando apenas três (Guarda Municipal de Itatiba/SP, Guarda Municipal de Pelotas/RS e TRT4), o preço médio das pistolas adquiridas (calibre .380), por unidade, foi de R$3.200,00 (três mil e duzentos reais), os coletes de proteção balística ficaram em torno de R$600,00 (seiscentos reais) cada, as algemas R$90,00 (noventa reais) e a munição R$1,86 (um real e oitenta e seis centavos) cada, valores de dois anos atrás.
Esse equipamento (mínimo), uma pistola, um colete, uma algema e 45 (quarenta e cinco) munições[i] para cada servidor custariam para a Prefeitura de Vitória da Conquista um pouco mais de R$200.000,00 (duzentos mil reais).
O servidor vai precisar de uniforme, cada equipe vai precisar de um rádio comunicador, equipamento de contenção (Taser, aparelho de choque, spray, bastão etc), além de armamento longo (espingarda em calibre .12) e munição não letal (uns R$80.000,00?).
A compra de viaturas (vamos supor que sejam três carros com motor 1.6 a R$40.000,00 cada, são mais R$120.000,00) e a estrutura física (prédio, móveis, computadores etc, por baixo outros R$200.000,00?).
Até aqui estamos em um valor acima de meio milhão de reais. Isso apenas para a criação e implantação de uma guarda com os 50 (cinquenta) que vão usar armas de fogo. Os outros 100 (cem) também precisarão de uniformes, equipamento de proteção e de contenção, rádio comunicadores, viaturas etc (outros seiscentos mil?).
Estes são custos apenas para a aquisição dos equipamentos. E os recursos humanos? A Prefeitura precisará organizar o concurso público para a contratação dos guardas (não é só adaptar e treinar servidores para uma nova função), criar cargos comissionados (chefias), corregedoria/ouvidoria e, principalmente, realizar o curso de formação, que deve seguir a matriz curricular da SENASP[ii], com carga horária mínima de 476h (dois meses de academia). Uma boa formação não vai sair barata.
Isso para a implantação, mas quanto custará a manutenção da guarda aos cofres públicos? É possível que a Prefeitura consiga recursos (Federais) para implantar, mas a sua manutenção sairá dos cofres municipais. Uma remuneração média no valor de R$1.000,00 (mil reais) para cada um dos 150 guardas, no final do ano, terá absorvido dos cofres municipais, um valor aproximado de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais). Só em salários, durante os quatro anos de um mandato eletivo, exigirá dos cofres públicos municipais uns R$8.000.000,00 (oito milhões). Esses cálculos são apenas suposições, acredito que serão maiores.
Some a estes valores, conta de água, luz, telefone, combustível, manutenção das viaturas, material de escritório, aquisição de mais munições (para as que foram usadas e substituir as que venceram), troca dos coletes vencidos, aluguel etc.
Esse investimento todo terá algum resultado efetivo na segurança da população?
Duvido.
Uma Guarda Municipal para realizar sua função constitucional não se faz necessária em Vitória da Conquista, pois o número de ocorrências contra o patrimônio e serviço público municipal é irrisório frente ao custo de implantação e manutenção da mesma.
Para apoiar a Administração Pública Municipal no exercício de seu poder de polícia administrativa o investimento seria muito elevado diante dos poucos conflitos, graves, que exigem uma atuação de “força”, no que a municipalidade sempre contou com o total e irrestrito apoio das agências policiais.
Se for criada nos termos do que foi discutido na Câmara de Vereadores, a intenção seria a de que a Guarda Municipal pudesse diminuir as ocorrências criminais em Vitória da Conquista. É possível? Não creio. Supondo que o projeto aconteça, teríamos apenas 150 (cento e cinquenta) guardas (inicialmente). Se estes forem escalados em plantões de 24h, teríamos por dia, 37 (trinta e sete) servidores trabalhando (dois armados), o que daria um para cada 8100 (oito mil e cem) habitantes. Se os guardas atuarem em dupla, teríamos uma dupla para cada 16200 (dezesseis mil e duzentos) habitantes. Isso, se todos os servidores forem atuar nas ruas, mas sabemos que parte dos mesmos será utilizada nas funções administrativas (chefias) da própria guarda municipal, ou seja, no final teríamos um número ainda menor (sem contar os desfalques por férias, licenças afastamentos médicos, licença maternidade/paternidade etc).
É de se lembrar que nenhum criminoso pratica seus atos na presença do policial, ele busca, com paciência, suas vítimas em locais desguarnecidos, eles sabem que é impossível ter-se um guarda em cada esquina.
Alguém acredita que o número de homicídios irá reduzir em decorrência da criação da Guarda Municipal? Ou que um usuário de substância proibida vai deixar de furtar ou roubar para saciar sua dependência, pois na cidade agora existe uma nova “agência de segurança”? Que os grupos que controlam o tráfico de drogas vão recuar ou se mudar para outro município com medo?
Mais efetivo para a segurança pública do município seria a Prefeitura investir os valores que gastaria para criar e manter a Guarda Municipal, por exemplo, ampliando o número de psicólogos e assistentes sociais nas escolas para atender as crianças e adolescentes em situação de risco social ou ampliar o número de profissionais de saúde nos postos e no Hospital Esaú Matos.
Ou investir no Conservatório Municipal no sentido de transformá-lo em Escola de Artes, ampliando as opções de vida para as crianças e adolescentes pobres. Ampliar a Biblioteca Municipal ou criar outras bibliotecas em bairros de periferia. Implantar acesso à internet via wi-fi nos bairros, permitindo o acesso à informação, educação, cultura e lazer aos mais carentes. Investir na preservação da história do município por meio da criação de museus e da digitalização de documentos e conservação destes, com fácil acesso aos estudantes e pesquisadores. Quem sabe construir um “verdadeiro” teatro municipal.
Poderia criar uma estrutura que permita a coleta seletiva de recicláveis em todo o município, favorecendo as famílias que vivem da venda destes materiais, dignificando o trabalho destes e contribuindo de forma eficaz na preservação ambiental do município.
Talvez implantar um Centro de Controle de Zoonoses e um Serviço de Verificação de Óbitos.
Ainda, investindo no monitoramento das vias públicas facilitando a ação das autoridades municipais de trânsito (com repercussão direta na vigilância do município) e ampliando o número de agentes do SIMTRANS, construindo um pátio para a apreensão administrativa de veículos, implantando sistema de radar nas vias expressas e ampliando as ciclo-faixas e ciclo-vias.
Uma Guarda Municipal, nos moldes do que se discutiu na Câmara de Vereadores, seria criada apenas para atender a uma falsa demanda por segurança da classe média-alta de Vitória da Conquista. Os recursos, para a criação e a manutenção da Guarda, sairiam de outros serviços prestados pelo município, sairiam das escolas, da saúde, da assistência social etc.
Certo estava Fernando Pessoa quando disse que “os deuses vendem, quando dão” e o preço quem vai pagar é a população pobre que precisa de creche, de escola, de posto de saúde, do CRAS, do CREAS, do CAPS, do CRAV, do Conquista Criança e de tantos outros serviços sociais deste município.
Vitória da Conquista, 21 de maio de 2017.
[i] Cada pistola vem com três carregadores com capacidade para 15 (quinze) munições.
[ii] http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/senasp-1/matrizcurricularguardasmunicipais2005.pdf