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Saiu no Uol: Sem vagas, cidade baiana retira mais de 400 corpos de cemitério e gera revolta

O anúncio da exumação de mais de 400 restos mortais de um cemitério em Vitória da Conquista (BA), a 509 km de Salvador, deixou a comunidade local –principalmente os católicos– revoltada.

A lista com os nomes dos mortos a serem removidos foi divulgada no mês passado pela prefeitura. As exumações devem começar em 19 de julho e vão transferir os restos mortais para um ossário, construído ao custo de mais de R$ 167 mil.

O motivo para a ação é a superlotação, já que quase não há mais lugar para cavar túmulos.

Em sua maioria, o cemitério abriga corpos de pessoas de baixa renda e, segundo a prefeitura, está com apenas 91 covas adultas disponíveis –54 covas para o sexo masculino e 37 para o feminino. A administração municipal afirma que “essas vagas atendem a necessidade do serviço por um período de, aproximadamente, 60 dias”.

A remoção está prevista no Código de Posturas do Município, entre as leis que regem a administração dos cemitérios públicos. O prazo previsto para um corpo ficar no cemitério é de quatro anos e oito meses. Como comparação, em Salvador, esse prazo é de três anos e seis meses, conforme as leis municipais da capital.

Mas coveiros entrevistados pelo UOL disseram que, devido ao número de enterros, de 3 a 4 por dia, o ossário com capacidade para 480 restos mortais não será suficiente para conter a superlotação. Eles estimam que o problema deve voltar a ocorrer em cinco meses.

 

Mário Bittencourt/UOL Vista parcial da entrada do Cemitério Municipal de Vitória da Conquista.

Vista parcial da entrada do Cemitério Municipal de Vitória da ConquistaUm abaixo-assinado contrário às exumações circula no bairro Kadija, periferia da cidade e onde está localizado o cemitério municipal. Boa parte dos signatários são ligados a Comunidade São Cristóvão, que faz parte da Igreja Rainha da Paz, localizada no bairro Patagônia, vizinho ao Kadija.

O padre Valmir Neves, que há sete anos realiza as celebrações em Dia de Finados na capela do cemitério, disse que as pessoas estão chocadas com o que vai acontecer.

“Para mim é uma novidade essa questão da exumação de corpos. Claro que a comunidade choca porque ela não tem nesse assunto uma posição contundente”, afirmou Neves.

A católica Denice Ferreira dos Santos, 49, cujo corpo do pai Carlindo Lima dos Santos, está entre os que serão exumados, disse ser contra a retirada dos restos mortais.

“Não quero de jeito nenhum que os ossos do meu pai sejam tirados daquele lugar. Pago todo mês [a um particular] para cuidar do local onde ele está enterrado. Fiz até um jardim, como recomendou a gerência do cemitério.”

A prefeitura diz que, por enquanto, não pensa em construir um novo cemitério e reclama da falta de providências por parte da gestão anterior “para gerenciar a ocupação e expansão do espaço do cemitério”, inaugurado em 1988, com 21.122 covas distribuídas em 39 quadras.

Ameaça de morte e quebra de tradição 

Na primeira etapa será exumado quem morreu entre outubro de 1990 e julho de 1992, procedimento que está previsto no Código de Posturas do Município.

O artigo 265 afirma que o direito de uso das sepulturas é de quatro anos e oito meses e, terminado este prazo, os “restos mortais deverão ser depositados em ossários, mediante sistema de aluguel”.

Contudo, a polêmica criada foi tanta que houve até ameaças de morte. “Teve um homem que veio aqui pedir informação sobre este assunto e disse que mata quem mexer com os restos mortais da tia dele”, declarou um dos quatro coveiros, sem querer se identificar.

Único operário ainda vivo entre os que participaram da construção do cemitério, Agdo Batista Anunciação, 79, está tem o irmão Ranulfo na lista para ser exumado.

“A gente pagou para ele ficar aqui, então acho que deveria ficar”, disse ele, em referência à taxa de sepultamento, que hoje custa R$ 12,29 –pessoas que comprovam baixa renda são isentas.

“Mas entendo que o problema de superlotação no cemitério é grave”, completa Anunciação, tataraneto de uma índia da etnia tupi-guarani “domesticada” por um italiano que imigrou para Jaguaquara, cidade do sudoeste baiano.

“Entre os índios, há uma tradição de querer ser enterrado no mesmo local onde os antepassados foram. Eu quero ser sepultado perto de onde meu irmão está”, afirmou. De seus 13 irmãos, somente ele está vivo.

Sua filha, Ilma Pereira Ribeiro, 44, vai ao cemitério pelo menos duas vezes por mês para limpar o jazigo do marido, vítima de um infarto há nove meses. No domingo em que a reportagem esteve no cemitério, os dois caminhavam entre covas abertas no corredor, entre fileiras de túmulos.

“Elas [as covas no corredor] são a prova da superlotação. Isso aqui foi muito mal projetado, primeiro dividiram as quadras entre homens, mulheres e crianças, depois virou uma bagunça. É mal cuidado, o mato se espalha fácil e muitos parentes dos mortos quase não vêm aqui, deixam os jazigos abandonados”, disse Anunciação.

Ilma concorda: “Tanto o poder público quanto boa parte dos parentes dos mortos são muito relapsos. A maioria não vem aqui, só aparece em Dia de Finados e na Semana Santa”.

Ela acha que o ossário será bom para preservar os restos mortais, mas criticou o local por ser “muito apertado”: “Quando tiver missa, vai ter de fazer fila para entrar ali depois da celebração. Nem local de acender vela tem”.

Agdo Batista Anunciação próximo a túmulos abertos nos corredores do cemitério, devido à superlotação

“A maioria dos mortos é por tiro”

Pai e filha dizem estar preocupados com outra situação exposta pela superlotação: o aumento de enterros em decorrência do crescente número de homicídios relacionados ao tráfico de drogas.

“De 2012 para cá tem morrido muitos jovens, ficou muito triste de ver isso. Hoje quase não se vê morte por doença, a maioria é por tiro”, comentou Ilma.

Suas impressões são endossadas por dados oficiais.

Terceira maior cidade da Bahia, Vitória da Conquista tem se destacado nos últimos anos entre os municípios mais violentos do Brasil. Mais de 90% dos homicídios estão relacionados ao tráfico, diz a polícia.

O Atlas da Violência 2017, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), aponta que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes na cidade está em 23, mais que o dobro do aceitável pela ONU (Organização das Nações Unidas).

A cidade é também a 36ª onde mais se mata no mundo, aponta o estudo da ONG mexicana Seguridade, Justiça e Paz – Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, cujo estudo abrangeu apenas cidades com população acima de 300 mil habitantes.

De acordo com o levantamento, ocorreram em 2015 em Vitória da Conquista 132 homicídios. Em 2016, foram 210 homicídios e só nos seis primeiros meses deste ano já ocorreram quase 80 homicídios.

O segurança Carlos Alberto Silva Andrade foi ao ossário para saber sobre a taxa que terá de pagar para guardar os restos mortais da mãe

 

Túmulos perdidos entre novas covas

Numa volta rápida pelas quadras onde estão os sepultamentos mais recentes, se nota nas cruzes que a maioria dos mortos têm nascimento entre a metade dos anos 1990 e início de 2000.

Nos corredores dessas quadras estão sendo feitos os novos túmulos, o que faz com que algumas pessoas percam o local onde foi enterrado o ente querido.

“Por várias vezes auxiliamos as pessoas a procurarem os túmulos, é um problema recorrente”, disse Elisângela Maria de Oliveira, 36, uma das 16 pessoas que realizam serviços particulares de limpeza de túmulos a R$ 20 por mês. Ela é contra o ossário porque acha que “vai tirar o trabalho de muita gente”.

A Prefeitura de Vitória da Conquista informou que realiza limpezas e serviço de manutenção no cemitério com uma equipe de 20 pessoas.

Pessoas como o segurança Carlos Alberto Silva Andrade, 52, têm visitado o cemitério para saber mais sobre a novidade. “Minha mãe está enterrada aqui, fiquei sabendo que está na lista e que tem um valor a pagar. Quero saber quanto é.”

A prefeitura disse que será cobrada uma taxa anual para colocar os restos mortais nas gavetas do ossário, mas em resposta ao UOL informou que o valor “ainda está sob cálculo do setor de finanças”. Enquanto isso não for feito, não haverá cobrança.

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