Opinião: Por Ernesto Marques – Jornalista
O radialista Hérzem Gusmão já fazia sucesso no rádio conquistense quando os Originais do Samba, grupo do inesquecível trapalhão Mussum, eternizou em música bem humorada, um conselho sábio para pessoas de fala fácil, vezeiras em soltar palavras ao vento. Passadas algumas décadas, depois de um ano à frente do governo da terceira maior cidade baiana, o hoje prefeito-radialista ainda não absorveu a sabedoria do trapalhão-sambista.
*”Falador Passa Mal Rapaz!
Falador Passa Mal!”*
Na sessão solene de reabertura do ano legislativo, Hérzem passou maus bocados diante de um plenário tomado por servidores públicos municipais revoltados. A maior greve da história do funcionalismo conquistense, entre maio e junho do ano passado, foi a última justificativa oficial para o atraso no pagamento do adicional de 1/3 das férias do professorado, no discurso do prefeito na Câmara. Durante a paralisação e depois anunciar reajuste zero para os professores, o prefeito voltou atrás e confessou ignorar a obrigação de seguir a Lei 11.738/2008, que instituiu o Piso Nacional dos Professores. “Eu não sabia…”, declarou à imprensa local, na época, para justificar o recuo.
*”Que malandro é você?
Que não sabe o que diz!”*
Nos 20 anos anteriores o dinheiro estava na conta em dezembro, como ocorreu em 2016, na despedida do ex-prefeito Guilherme Menezes. Nos primeiros dias de 2018, ao verem o atraso inédito, os professores começaram a cobrar e ouviram a primeira justificativa: “entraves burocráticos relacionados à virada do ano”. Na mesma nota enviada aos blogs da cidade, a Prefeitura prometia o pagamento para o dia 10. Dia seguinte, sem dinheiro na conta, os servidores ouviram a segunda explicação: “optou-se por implantar procedimentos de controle e avaliação no setor de recursos humanos”, com promessa de regularização “o mais breve possível”. Em 26 de janeiro, ofício da Secretaria da Administração adiava reunião com representantes do funcionalismo com o argumento de “aguardar o comportamento da arrecadação da receita de janeiro para um melhor gerenciamento da folha de pagamento”.
Em 31 de janeiro, sem dinheiro em caixa para cumprir a obrigação, Gusmão Pereira se socorreu da desculpa que ele mesmo esfarrapou ao longo de 2017, atribuindo todos os tropeços da sua gestão ao antecessor: “atenção servidor, quem atrasou foi o prefeito do PT!”, disse à Brasil FM.
*”Quem mandou você mentir?
Você vai se machucar!
Novamente aqui estou
Você vai ter de me aturar”*
Repetiu a acusação diante dos vereadores que em breve analisarão as contas de Guilherme de 2016 – como todas as anteriores, aprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios – e na presença de servidores indignados e da imprensa, com transmissão ao vivo pela Brasil FM para quem estivesse sintonizado em todo o Sertão da Ressaca. O prefeito falador manteve a linha eloquente de sempre, mas passou mal ao ouvir a resposta de quem recebeu salários e gratificações rigorosamente em dia por 20 anos. Professores, guardas patrimoniais e agentes de saúde gritaram em côro: MENTIRA! MENTIRA! MENTIRA!
*”Cuidado que muita mentira
Você pode perder o nariz!…”*
O adicional de 1/3 das merecidas férias do funcionalismo, adquiridas após o ano trabalhado de 2016, foi pago no dia 30 de dezembro, dois dias antes de Gusmão Pereira assumir, pelo menos formalmente, o governo municipal. O que não entrou na folha de janeiro de 2017 foram as gratificações, inclusive instituídas em lei, cortadas indiscrimainadamente pelo novo gestor. “Na história de Conquista é a primeira vez que tá acontecendo isso. O servidor sair de férias e não receber o 1/3 de férias (…) a administração não tem condição de pagar e inventou essa história”, disse à imprensa o presidente do Sinserv, Zé Marcos.
À meia noite do sábado 31 de dezembro de 2016, as contas do Município de Vitória da Conquista registravam um saldo positivo de R$ 54.871.844,67. Deduzindo os restos a pagar, ficaram R$ 31.272.273,41 para continuidade dos serviços e programas. Desse saldo, R$ 5.533.133,63 na fonte zero, aquela que o prefeito pode utilizar livremente. Por dever de ofício e para atender pedido feito pelo próprio Hérzem, a Câmara Municipal vai ter que dizer se estes números, auditados pelos técnicos do TCM e aprovados pelos conselheiros daquela Côrte de Contas, são verdadeiros ou se o prefeito diz a verdade ao acusar o antecessor de não ter pago meio milhão de reais relativos ao 1/3 de férias do professorado.
*”Falador Passa Mal Rapaz!
Falador Passa Mal!”*
Tivesse lido o Relatório da Transição, assinado por vários de seus atuais secretários, ou ouvisse alguns de seus conselheiros sinceros, não teria passado mal ou virado motivo de chacota nas redes sociais. Entre elogios à transparência, organização e presteza nas informações pelo governo que saía, está lá na página 21: “nenhum pagamento de servidores municipais em atraso”.
Como radialista, em seus 38 anos de absoluta liderança na audiência, Hérzem tiranizou e abusou do poder do microfone. Quase perdeu os direitos políticos por isso, condenado em diversas instâncias judiciais até ser salvo pela reconhecida capacidade de Ademir Ismerin, advogado indicado por Geddel e Lúcio Vieira Lima. Foi também Ismerin o advogado da sua vitoriosa campanha de 2016 e um dos primeiros consultores contratados com dispensa de licitação, regiamente pago pelos combalidos cofres municipais.
A competência de um dos advogados mais caros da Bahia não o livrou de todos os muitos processos a que responde pela fala fácil. Hérzem não mediu palavras ao mentir e envolver a família de Guilherme nos ataques obssessivos pelos microfones históricos da Rádio Clube. Foi condenado em primeira instância, recorreu ao Tribunal de Justiça da Bahia e a condenação foi mantida por unanimidade, Já pagou a parte que lhe cabia, individualmente, na indenização, mas deixou mais uma conta para a emissora pagar, além de outras tantas, ainda em julgamento. Se condenada a pagar todas as indenizações, a Clube FM pode ir à falência.
Driblar a Justiça com advogados influentes e caríssimos, como o competente Ademir Ismerin, é relativamente fácil – desde que se tenha dinheiro para sustentar todos os custos das manobras jurídicas e os honorários de graúdos. Mais difícil é escapar do tribunal da história, onde os juízes são as pessoas do povo, como os servidores, a quem Gusmão Pereira responsabilizou pelo descalabro financeiro em apenas um ano de seu governo.
Se não aprendeu com o samba do trapalhão Mussum, nem com as condenações judiciais já sofridas, deveria ouvir o conselho do colega radialista Deusdete Dias: “esquece o PT, esquece Guilherme, fala de você e do que você quer fazer!”
Mas se a soberba que lhe deixa moucos os ouvidos para as palavras de um bom colega ou de seus conselheiros mais sinceros, há uma derradeira opção ao alcance da caneta do prefeito. Entre tantos nomeados e bem gratificados, ou entre tantos regiamente pagos consultores escolhidos sem licitação, poderia contratar um assessor ou consultor especial para prevenção de situações ridículas. Se não for bastante para melhorar o governo, talvez poupe a terceira maior cidade da Bahia de vexames.
Ernesto Marques é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e é o primeiro vice-presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
*O artigo é opinativo e não representa necessáriamente a opinião do site.
Ouça a música “Falador Passa Mal, que o artigo faz referência;