Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), acredita na luta pela liberdade de imprensa e no fortalecimento do Jornalismo como necessidade para os cidadãos
Jornalista há 31 anos, Maria José Braga é a segunda mulher a ocupar o cargo de presidente na história da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Ela é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Goiás e tem graduação e mestrado em Filosofia. Sua participação no movimento sindical começou logo após o término da graduação em Jornalismo, quando atuou como presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no estado de Goiás. “Quando me formei, tive pressa em me sindicalizar e meses depois já estava na chapa que iria disputar as eleições para renovação da diretoria do Sindicato”, afirmou Maria José.
O currículo da jornalista inclui também a sua participação no Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional e no GT Comunicadores, instituído pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos Humanos. Hoje, como presidente da FENAJ, defende a democratização da comunicação e a liberdade de imprensa. Não acredita no Jornalismo como quarto poder, mas segue a perspectiva de que a atividade é “uma produção de conhecimento imediato da realidade para a ação cidadã”.
Em entrevista ao Avoador, ela conta um pouco da sua trajetória como jornalista, os desafios como mulher à frente do sindicato, as dificuldades dos jornalistas e do jornalismo no atual contexto político brasileiro.
Avoador: A senhora cursou Jornalismo e Filosofia na Universidade Federal de Goiás, além de ter feito mestrado também nessa área. A segunda formação foi para complementar a do Jornalismo? Ela ajuda na prática jornalística?
Maria: Em geral, quando fazemos nossa graduação, estamos ansiosos em nos formar e entrar no mercado de trabalho. Foi assim comigo, durante o curso de Jornalismo. Queria começar a trabalhar o mais rápido possível e, por isso, ingressei na Cooperativa dos Jornalistas de Goiás, bem antes da formatura. Mas a prática profissional também gera ansiedades e angústias e, passados alguns anos, estava muito preocupada com os rumos do Jornalismo. Queria aprofundar a reflexão sobre o papel dos jornalistas e do Jornalismo. Então, decidi beber da fonte primária das reflexões, fui fazer o curso de Filosofia. Mas não se tratou de um complemento ao curso de Jornalismo, porque a Filosofia não traz resposta para a prática jornalística. Tratou-se de uma busca pelo aprofundamento da reflexão e nesse sentido contribuiu e continua contribuindo muito.
Avoador: A senhora já foi repórter e subeditora do Jornal O Popular, professora do curso de Jornalismo das Faculdades Alfa, editora-chefe da Revista Outra Via e assessora de imprensa de inúmeras entidades e instituições. Qual dessas funções trouxe mais realização profissional?
Maria: Cada experiência profissional traz acúmulos diferenciados. Minha experiência como docente, por exemplo, foi bastante curta, mas muito enriquecedora. Creio que aprendi mais do que ensinei. Estar à frente do projeto da revista Outra Via foi um desafio grande, mas extremamente prazeroso. Fizemos uma revista de bordo para o transporte alternativo de Goiânia, uma experiência inédita, com resultados muito positivos. A revista chegou ao fim porque os grandes grupos empresariais do transporte público de Goiânia conseguiram acabar com o transporte alternativo. As experiências com assessoria de imprensa também foram e são (atualmente trabalho numa instituição de ensino) muito boas. E gosto de enfatizar que, mais do que possível, é necessário fazer Jornalismo na comunicação institucional, porque atualmente as instituições falam diretamente com a sociedade. A experiência como repórter de um jornal diário, por 22 anos, foi muito rica, com trabalhos que tive prazer de desenvolver e outros que tive de aceitar. Mas sempre com o pensamento na minha autonomia profissional.
“É fortalecendo o Jornalismo que as empresas de comunicação vão voltar a ter a confiança do público.”
Avoador: Em que momento da sua trajetória profissional a senhora se envolveu com o sindicalismo?
Maria: Quando fazia faculdade, acompanhava de perto o movimento estudantil e a reestruturação partidária que estavam ocorrendo nos anos 1980, além de acompanhar o trabalho do Sindicato dos Jornalistas de Goiás. Quando me formei, tive pressa em me sindicalizar e meses depois já estava na chapa que iria disputar as eleições para renovação da diretoria do Sindicato. Ou seja, eu ingressei na profissão e no movimento sindical dos jornalistas brasileiros.
Avoador: O jornalista tem consciência que faz parte da classe trabalhadora e que precisa se organizar coletivamente?
Maria: É sempre difícil falar sobre algo de forma generalizada. Mas quanto à categoria dos jornalistas, creio que a pesquisa Perfil do Jornalista, feita por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, numa parceria com a FENAJ, continua bem atual. Os jornalistas brasileiros dizem ser de esquerda, mas a grande maioria não milita nem em grupos de igreja. Na luta coletiva, indicada pela sindicalização, os jornalistas brasileiros estão dentro da mesma média das demais categorias: somente 25% são sindicalizados. Se esse índice pode ser positivo para algumas categorias, para os jornalistas eu considero que não. Afinal, somos trabalhadores intelectuais que têm de lidar cotidianamente com a interpretação da realidade e, portanto, deveríamos ter mais clareza das coisas e da necessidade de organização coletiva.
“Os jornalistas brasileiros dizem ser de esquerda, mas a grande maioria não milita nem em grupos de igreja.”
Avoador: Em 70 anos de FENAJ, a senhora é a segunda mulher a presidir a federação. É difícil para uma mulher conquistar esse posto?
Maria: No Brasil, o machismo perpassa as diversas relações sociais. O Jornalismo e o movimento sindical dos jornalistas não são exceções e, por isso, as mulheres jornalistas têm mais dificuldades na carreira profissional e são as vítimas preferenciais dos assédios moral e sexual. Mas no movimento sindical dos jornalistas, mesmo havendo pessoas machistas, o machismo não predomina e as mulheres têm participação efetiva nos Sindicatos e na FENAJ. A atual diretoria da FENAJ tem na Executiva, a instância de decisões imediatas, mais mulheres do que homens. Respondendo diretamente a pergunta, não foi difícil chegar à presidência da FENAJ, mas como todos os presidentes e a presidenta eleitos antes de mim, tive de ter uma atuação propositiva no meu Sindicato e também dentro da FENAJ para conquistar a confiança de todos os Sindicatos de Jornalistas que apoiam a diretoria da Federação e para ser eleita pelos jornalistas. Creio que os principais obstáculos que encontrei na profissão não estavam relacionados à questão de gênero, mas a questões trabalhistas, como excesso de horas na jornada de trabalho, falta de condições para trabalhar e pressões editoriais. Até na ascensão da carreira, pesou mais (contra) o fato de eu ser sindicalista do que ser mulher. Para todas essas questões só há uma resposta: organização e luta.
Avoador: Como a senhora enxerga a oposição do governo Jair Bolsonaro ao Jornalismo e aos jornalistas brasileiros?
Maria: A FENAJ, antes mesmo da posse de Bolsonaro, divulgou nota afirmando que sua eleição representava uma ameaça à liberdade de imprensa e aos jornalistas. Portanto, apesar de estarmos apreensivos, não estamos surpreendidos. Em toda sua vida pública Bolsonaro demonstrou desprezo pelas instituições democráticas e pela própria democracia. Como presidente, ele está reproduzindo o que já fazia e, ainda, está usando o cargo para ameaçar veículos de comunicação não alinhados. Infelizmente, quem está fazendo essa denúncia é a FENAJ. Os veículos de comunicação ainda estão agindo para ficar bem com a Presidência e manter as verbas publicitárias.
Avoador: Como os jornalistas devem reagir diante situações em que o governo utiliza do seu poder para intimidar/desrespeitar os veículos jornalísticos?
Maria: Os jornalistas devem denunciar as pressões e os casos de violência cometidos por quem quer que seja. Calar-se é a pior tática. E isso vale também para os veículos de comunicação, mas, como já disse, a maior parte dos grandes veículos de comunicação ainda está tentando se aproximar do Palácio do Planalto.
“Os jornalistas devem denunciar as pressões e os casos de violência cometidos por quem quer que seja. Calar-se é a pior tática.”
Avoador: Na sua visão, quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo Jornalismo brasileiro diante os tempos difíceis que estamos vivendo?
Maria: A maior dificuldade do Jornalismo brasileiro é a falta de investimento por parte das empresas de mídia. Em vez de investir mais, as empresas de mídia do Brasil optaram pelo enxugamento das redações, pelas demissões em massa, pela substituição de profissionais experientes por jovens profissionais e por um empobrecimento do Jornalismo para uma disputa equivocada com as redes sociais. O que ocorreu foi a perda de qualidade e a consequente perda de leitores/ouvintes/espectadores, agravando a perda de arrecadação com a publicidade. Como ocorre nos Estados Unidos e Europa, é preciso investir no Jornalismo para que ele seja reconhecido como uma necessidade pela sociedade.
Avoador: Como o Jornalismo pode reconquistar a confiança do público em tempos de desinformação, de fake news?
Maria: É com informação verdadeira que se combate a informação falsa e a desinformação. Portanto, é fortalecendo o Jornalismo que as empresas de comunicação vão voltar a ter a confiança do público.
“Em vez de investir mais, as empresas de mídia do Brasil optaram pelo enxugamento das redações, pelas demissões em massa […] e por um empobrecimento do Jornalismo para uma disputa equivocada com as redes sociais.”
Avoador: A FENAJ vai conseguir manter o prédio em Brasília? Como está a campanha de arrecadação de dinheiro para pagar a dívida?
Maria: A FENAJ e a maioria das entidades sindicais brasileiras estão com dificuldades financeiras em razão da contrarreforma trabalhista aprovada no governo Temer. Essa contrarreforma tirou a principal fonte de recursos do movimento sindical com o objetivo claro de enfraquecê-lo e, se possível, eliminá-lo. Além dessa dificuldade, que é geral, a FENAJ foi condenada a pagar uma dívida fiscal ao Governo do Distrito Federal. Como não há recursos, existe o risco da sede ir a leilão. Lançamos uma campanha de arrecadação, mas as contribuições ainda estão bem abaixo do que precisamos. Esperamos que a categoria venha a contribuir.
Avoador: Para finalizar, o Jornalismo ainda é o quarto poder? O que ele representa em uma sociedade?
Maria: Sendo muito sincera, não gosto dessa expressão, apesar de ela ter sido criada para deixar claro a importância do Jornalismo e de seu papel de fiscal dos poderes constituídos. Não uso a expressão porque partilho do conceito de Jornalismo como produção de conhecimento imediato da realidade para a ação cidadã. O poder que pode/deve emergir do Jornalismo é o da sociedade, cidadãs e cidadãos bem-informados, capazes de constituir seus próprios juízos sobre as questões prementes de cada local e de agir para que a vontade da maioria prevaleça. Se não for assim, é mais uma usurpação de poder por grupos ou indivíduos.
Publicação: Avoador / Foto de capa: acervo pessoal