A criação da Guarda Municipal de Vitória da Conquista foi um dos assuntos de maior repercussão política em Vitória da Conquista entre o fim do ano passado e o início deste. O prefeito Herzem Gusmão decidiu cumprir uma promessa feita aos agentes patrimoniais e enviou projeto de lei à Câmara criando a Guarda, os vereadores, por unanimidade, se associaram ao prefeito e aprovaram a lei. O prazo exíguo e a ausência de discussão, no entanto, abrem espaço para contestações posteriores, acerca não apenas do interesse político por trás da medida, mas, também, quanto a aspectos legais.
Por ser um assunto delicado, que envolve atender o sonho de promoção de 335 agentes patri
moniais, os vereadores e parte da imprensa não questionaram o projeto, que, a uma leitura mais apurada, apresenta alguns equívocos. Um deles é alvo de duas ações junto aos ministérios públicos estadual e federal e diz respeito, justamente, à parte mais delicada da lei: o aproveitamento dos agentes.
Na semana passada, um grupo de cidadãos de Vitória da Conquista ingressou com representações ao Ministério Público Estadual (MPE) e ao Ministério Público Federal (MPF), arguindo a inconstitucionalidade de pontos da Lei Municipal 2.369, de 23/12/2019, que cria a Guarda Municipal. Na petição, o grupo, formado por estudantes para concurso, aponta ilegalidades1645 dos artigos 10 e 41, que tratam do aproveitamento dos agentes patrimoniais para a efetivação do corpo da Guarda.
De acordo com as petições que deram entrada no MPE e no MPF, a lei, aprovada pelos vereadores em regime de urgência, confronta-se, em seu artigo 10, inciso I, e artigo 41, com o disposto no art. 37, II da Constituição Federal, que determina ser investidura em cargo ou emprego público dependente de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, e à Súmula Vinculante nº 43/2015, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proíbe o ingresso em outra carreira sem concurso específico.
A súmula define que é “inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.”.
Os peticionistas destacam que “diversos municípios brasileiros transformaram agentes patrimoniais, vigias e outros servidores municipais em Guardas Civis Municipais ao arrepio da lei, alguns tribunais de apelação chegaram a chancelar tal prática”, mas que a súmula vinculante do STF “pôs um fim a tal prática, conhecida como fórmula mágica dos gestores municipais para possibilitar ingresso em novos cargos criados sem a triagem do concurso público, afrontando a Constituição de 1988”.
As representações, que no MPE foi registrada como IDEA 644-9-4068/2020 e no MPF com o número 00000185/2020, apontam que, para fazer o aproveitamento, conforme o artigo 10, I, da lei 2.369/19, o Município utiliza como coluna basilar a lei municipal 1.786 de 16/12/2011, que é o Estatuto dos Servidores Municipais de Vitória da Conquista, “quando ainda não havia o STF editado à Súmula Vinculante 43/2015, que afasta tal possibilidade”, e ressalta que “como já é sabido, o critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira”.
Segundo a representação, a própria lei municipal reconhece a obrigatoriedade do concurso, em seu artigo 9º, “colocando-o em contraposição ao artigo 10, inciso I e artigo 41, tornando-os inconstitucionais”. O artigo 9º determina que “o ingresso na carreira da Guarda Municipal é acessível a todos os brasileiros, de ambos os sexos, observados os requisitos estabelecidos na Lei Federal nº 13.022, de 08 de agosto de 2014, nesta Lei e legislação específica em vigor”.
O grupo que questiona a formação da Guarda Municipal de Vitória da Conquista, com aproveitamento da Guarda Patrimonial e a respectiva migração de seus agentes, solicita ao Ministério Público que busque no Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 10 e 41 da lei municipal, com o objetivo de que seja determinada, para a composição inicial da corporação, a realização de concurso público.
Representantes do grupo, que pediram para não identificados antes que a ação seja acolhida, explicam que consideram legal a criação da Guarda Municipal, mas que o aproveitamento dos agentes patrimoniais, concursados para essa finalidade, além de atentar contra a Súmula Vinculante do STF, 43/2015, quebra o princípio da isonomia que iguala os cidadãos em seus direitos. “A atitude do prefeito impõe uma ruptura da ordem jurídica ao assegurar a funcionários internos uma oportunidade que, pela orientação da lei, deveria ser aberta a todo e qualquer cidadão brasileiro”, explicou um dos interessados.
*Blog de Giorlando Lima