Cotidiano

Francisco beatifica Paulo VI e homenageia Concílio Vaticano II

O papa Francisco beatificou neste domingo na Praça São Pedro seu antecessor italiano Paulo VI, saudando também o fim de um polêmico sínodo sobre a família, o Concílio Vaticano II (1962-1965) e o espírito de criatividade na Igreja.

Sob um belo sol de outono, Francisco pediu que todos os participantes do sínodo “vençam o medo diante das surpresas de Deus”.

“Deus nos conduz por caminhos imprevistos”, disse Francisco, referindo-se aos debates a respeito de aspectos sociais espinhosos para a Igreja (uniões livres, divórcio, homossexualidade) que dominaram o sínodo.

Na presença do papa emérito Bento XVI – calorosamente saudado – e diante de uma Praça São Pedro lotada, Jorge Bergoglio pediu em latim que “o venerável servidor de Deus, Paulo VI, seja feito bem-aventurado”. Ele anunciou que seu dia será o 26 de setembro.

Uma grande imagem de Paulo VI sorridente e abrindo os braços foi exibida na basílica.

“A este grande papa, este corajoso cristão, este apóstolo incansável, podemos dizer hoje diante de Deus apenas uma palavra tão simples quanto sincera e importante: obrigado!”

Interrompido pelos aplausos da multidão, ele prosseguiu: “Obrigado querido e amado papa Paulo VI! Obrigado por seu testemunho humilde e profético!”

Paulo VI, que concluiu o Vaticano II iniciado por seu antecessor João XXIII e instituiu o “sínodo” – um órgão colegiado -, foi beatificado ao final do sínodo sobre a família convocado por Francisco, na presença de cardeais de todo o mundo.

Em abril, Francisco havia canonizado João XXIII (1958-1963) e João Paulo II (1978-2005).

Francisco cita com frequência Paulo VI, um papa de aparência frágil que, como ele, promoveu um diálogo sincero com o mundo “como ele é”. Ele é respeitado por ter estabelecido muitos fundamentos da Igreja moderna, embora tenha sido criticado, até mesmo dentro da Igreja, por sua rejeição à pílula anticoncepcional em 1968.

Jorge Bergoglio tinha entre 26 anos e 41 anos durante o pontificado de Paulo VI. Ele foi fortemente influenciado por esse período, em que acompanhava em Buenos Aires os acalorados debates em torno da Teologia da Libertação na América Latina.

 

No início de 2014, a Congregação Vaticana para a Causa dos Santos reconheceu um primeiro milagre para permitir a sua beatificação: a cura de uma criança americana em 2001 vítima de uma má-formação dentro do útero. Os médicos achavam melhor que a mãe abortasse, mas ela se recusou, rezando para Paulo VI. A criança tem hoje treze anos e está bem de saúde.

A beatificação pode abrir o caminho para uma canonização, se um outro milagre for reconhecido.

A Fraternidade Sacerdotal São Pio X, grupo ultra-conservador que rompeu com Roma, considera que esse papa “introduziu na Igreja um liberalismo doutrinal marcado por erros como a liberdade religiosa, a colegialidade e o ecumenismo”.

Em oposição, o movimento de contestação “Nós somos a Igreja” criticou a sua encíclica Humanae Vitae que se pronuncia contra a contracepção: “o papado e os ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade perderam sua credibilidade”.

Em março, consultado pelo jornal Corriere della Sera sobre a “Humanae Vitae”, o papa Francisco elogiou “a coragem” que Paulo VI demonstrou a “se opor ao neomalthusianismo presente e futuro”.

O avanço do ecumenismo, as encíclicas sobre a paz, a justiça social e a desigualdade Norte-Sul, o apoio à Ostpolitik na Alemanha Ocidental, o diálogo com os artistas e com os não-católicos, as viagens intercontinentais, uma primeira reforma da cúria: todas essas questões estão relacionadas a esse papa intelectual, de voz hesitante, incompreendido.

A relíquia de Paulo VI apresentada aos fiéis é uma vestimenta manchada com o sangue do pontífice depois que ele sofreu uma tentativa de assassinato em novembro de 1970, em Manila, Filipinas.

Seu túmulo em mármore branco, simples, não será transferido para o nível principal da cripta de São Pedro, uma decisão tomada de acordo com a sua humildade.

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