Polícia

“O Brasil é um país que prende muito; porém, prende mal”, diz Reno Soares

Titular da Vara de Júri e Execução Penal em Vitória da Conquista, absolutamente comprometido com as políticas de ressocialização de detentos e convicto de que o Estado não conseguirá dar conta desta fundamental tarefa social sem apoio da sociedade civil organizada, o juiz Reno Viana Soares é um crítico mordaz do modelo penitenciário brasileiro e advoga pela promoção de um projeto nacional capaz de superar o drama da superpopulação carcerária. Segundo ele, o Brasil prende muito, mas prende mal, de modo que, apesar a imensidão de presos não redunda em melhoria do sistema de segurança pública. “Há uma desvinculação entre a quantidade de prisões efetuadas e a eficácia dessas prisões no sentido de assegurar maior segurança à população”.

Nesta entrevista exclusiva do Blog do Fábio Sena, o juiz Reno Soares defende que os presos oriundos de Vitória da Conquista cumpram suas penas em unidades prisionais locais, não em Salvador. Indagado sobre o permanente debate sobre redução da maioridade penal, em pauta sempre que um fato envolvendo menores de idade ganha repercussão nacional, o juiz Reno Soares é categórico ao afirmar que não enxerga na redução da maioridade uma solução. “Na verdade, isso só agravaria a nossa situação de superpopulação carcerária”, adverte. “É legítimo a nação destinar à sua juventude a cadeia? Eu acho que a nação deveria oferecer um futuro melhor pra sua juventude”.

Logo abaixo, leia na íntegra a entrevista com a juiz Reno Soares.

BLOG DO FÁBIO SENA: Doutor Reno, o senhor tem tido um trabalho permanente na luta pelos Direitos Humanos. Que avaliação o senhor faz do cumprimento dos direitos no Brasil, dos Direitos Humanos?

RENO SOARES: Olha, é uma luta constante, interminável, porque os direitos são sempre conquistados, eles não são dados. E é uma luta permanente. Nós temos registrado avanços, às vezes acontecem retrocessos, mas eu diria que a linha evolutiva, de modo geral, tem sido no sentido de avanços nessa matéria. Porém, no Brasil, nós temos problemas gravíssimos, um dos quais a situação carcerária, que é um problema nacional hoje.

BLOG DO FÁBIO SENA: A superpopulação carcerária é tema antigo no Brasil, mas, afinal, qual a raiz do problema?

RENO SOARES: Olha, o Brasil, ao contrário do que se imagina, é um país que prende muito, porém, prende mal. Então, nós temos prisões superlotadas, mas como nós temos muitas deficiências nessa área da execução penal, isso faz com que, embora as prisões estejam superlotadas, essa superlotação não se reflita como o aumento da segurança, da chamada segurança pública, ou seja, há uma desproporção, há uma desvinculação entre a quantidade de prisões efetuadas e a eficácia dessas prisões no sentido de assegurar maior segurança à população.

BLOG DO FÁBIO SENA: Você acha que é o processo de violência à dignidade humana verificada nas prisões brasileiras não ferem preceitos constitucionais básicos?

RENO SOARES: Sim, sim, as prisões brasileiras são muito ruins e isso já tem sido, inclusive, oficialmente reconhecido, e no âmbito do Poder Judiciário, que é o poder do qual eu faço parte. Já é consenso. Não há nenhuma dúvida de que as prisões brasileiras, de modo geral, são muito ruins.

BLOG DO FÁBIO SENA: O governo estadual está construindo um novo presídio, mas para abrigar presos provisórios. Isso, de alguma forma, será suficiente pra debelar o problema atual?

RENO SOARES: Nós tivemos uma luta histórica aqui muito grande pela construção da nova unidade, já que o Nilton Gonçalves já não atendia às necessidades da nossa população. Conseguiu-se finalmente a construção dessa nova unidade, mas ainda não existe uma definição formal se essa nova unidade será destinada a presos provisórios ou ao cumprimento de pena. Há uma necessidade de que os condenados de Vitoria da Conquista cumpram a pena aqui, porque nós temos situações absurdas aqui em Vitoria da Conquista da seguinte maneira: por exemplo, o preso condenado em Vitoria da Conquista é levado a cumprir pena em Salvador, e ai o Estado o leva pra Salvador através de condução oficial e, no momento que ele obtêm a liberdade pelo cumprimento da pena ou por algum beneficio, ele é solto em Salvador sem ter um único centavo pra pegar qualquer tipo de transporte pra voltar pra Vitoria da Conquista, terra natal dele. Isso é uma violação gravíssima aos direitos humanos. Então, ele é solto em Salvador e não tem como se deslocar de volta pra Vitoria da Conquista, então a necessidade é que esse comprimento da pena aconteça aqui, que é onde está a família dele, onde está o enraizamento social dele, onde estão todas as expectativas que essa pessoa algum dia consiga ser ressocializada. Em Salvador, onde ele não conhece ninguém, onde ele não tem nenhum vínculo, onde ele é um ex-presidiário que não vai conseguir nenhuma ocupação é que com certeza ressocialização nenhuma vai acontecer.

BLOG DO FÁBIO SENA: Sempre que a insegurança aperta, o mote preferencial na sociedade é a redução da maioridade penal. A Câmara Federal inclusive tem insistido no debate do tema e há um grande movimento inclusive nos meios de comunicação. Na visão do senhor, para os casos de crimes cometidos por menores de idade, qual é a solução? É a redução?

RENO SOARES: Eu não vejo a redução da maioridade penal como sendo uma solução, porque na verdade isso só agravaria a nossa situação de superpopulação carcerária; nós já não temos cadeias para atender a demanda atual. Uma eventual redução da maioridade penal iria provocar um agravamento dessa situação, então a solução não passa por aí, além da própria questão, não vou nem entrar na discussão jurídica, se é constitucional ou não, mas eu acho que é. É legítimo a nação destinar à sua juventude a cadeia? Eu acho que a nação deveria oferecer um futuro melhor pra sua juventude.

BLOG DO FÁBIO SENA: Uma das reclamações mais correntes na Justiça brasileira é a insuficiência de pessoal, o que tornaria a Justiça lenta no Brasil. Conquista passa por essa situação?

RENO SOARES: Olha, no contexto judiciário da Bahia, Vitoria da Conquista não está, digamos assim, naquele rol das comarcas mais problemáticas; pelo contrário, poderia dizer que a nossa situação aqui é uma das melhores. Mas, de modo geral, isso é em todo Brasil: o Poder Judiciário tem tido muitas dificuldades em atender às demandas da população, então é preciso que se faça todo o planejamento estratégico, toda adoção de uma série de medidas visando que o serviço de prestação judicial melhore. Agora, no contexto da Bahia, a nossa situação aqui eu diria, arriscaria dizer que está entre as melhores e não entre as piores.

Transcrição de áudio: Sabrina de Oliveira

*Blog do Fábio Sena

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