A Política Nacional de Saneamento Básico, em vigor desde 2007, exige que todos os municípios do país implantem planos locais. Depois de duas prorrogações, as cidades ganharam mais uma repescagem e têm até 31 de dezembro de 2015 para concluí-los. O problema é que poucos, ou melhor, pouquíssimos conseguiram adiantar seus lados. Na Bahia, apenas Camacan, Ibiassucê e Firmino Alves conseguiram destoar da maioria. Para o PHD em Saúde Ambiental e professor do Instituto de Engenharia Ambiental da Ufba, Luiz Roberto Moraes, os prefeitos não têm a cultura do planejamento, o que é determinante para o sucesso da empreitada. “O que eles querem é a obra, para mostrar que durante os quatro anos, realizaram algo físico”, diz o cientista e ativista ambiental. Em entrevista ao Bahia Notícias, Moraes ainda detalhou a lei, apontou o problema crônico dos lixões, opinou sobre a consciência da sociedade quando o assunto é o cuidado com o meio ambiente, e explicou o porquê de Vitória da Conquista figurar na 14ª posição entre as cem maiores cidades do país em saneamento básico. Leia abaixo a entrevista na íntegra:
O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que vem no bojo da Política Nacional de Saneamento Básico, de 2007, deu vários prazos para os municípios criarem os planos locais. Primeiro, devia ser encerrado em 2010, depois foi alongado para 2013, e agora, ficou para dezembro de 2015. Como está a realidade dos municípios baianos?
A Bahia retrata a realidade nacional. O grande problema é que os municípios têm dificuldades, principalmente na distribuição tributária que os penaliza. Enquanto, a União fica com 60% dos impostos, os estados, 25%, os municípios ficam com 15% do bolo tributário. Como é que eles vão ter quadro técnico capacitado, com salários digno, para exercer as funções necessárias? Na universidade, nós temos formado muitos engenheiros. Só que eles encontram dificuldade de serem contratados por conta da condição financeira dos municípios.
Outra questão que se discute na implantação dos planos de saneamento é que os municípios não têm projetos qualificados. O senhor concorda com essa posição?
Os projetos são derivados dos planos. Se os municípios tivessem um corpo técnico que os pudesse elaborar, as cidades poderiam fazer um planejamento para 20 anos, contemplando os quatro componentes do Plansab, que são: abastecimento de água para toda população; esgotamento sanitário; manejo e drenagem das águas pluviais [das chuvas]; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Como o município não tem pessoal qualificado, por diversas condições, principalmente essa do bolo tributário, ele pleiteia dos governos federal e estadual recursos para a elaboração dos planos. Quando os recursos saem, eles contratam uma empresa de consultoria que acaba fazendo o plano para o município, o que não deveria ser assim.
De que forma deveria ser o trabalho dessas empresas de consultoria?
Deveria ser um apoio técnico, mas com o município dizendo como é que deve ser feito, acompanhando todo o processo. Uma consultoria que atenda o interesse de servir à comunidade e não que queira implantar uma tecnologia de interesse de uma empresa. Mas como uma sociedade que muitas vezes não participa de nada vai se mobilizar para algo que para ela ainda é abstrato? Ela quer que resolva o problema de tirar o lixo na frente de casa, a vala de esgoto em frente da residência. Coisas visíveis.
O senhor acredita que os prefeitos estão sensíveis a essa questão de implantar os planos de saneamento? Ou eles sempre colocam a questão do saneamento como algo marginal?
Em geral, como eles não têm uma cultura institucional de planejamento em nenhuma área, não desperta interesse. O que eles querem é a obra, para mostrar que durante os quatro anos, realizaram algo físico. Mas se o município se planeja, ele vai fazer os projetos de engenharia, dizendo como vai ser o abastecimento de água, como vai ser o esgotamento sanitário, a tecnologia adotada, entre outras questões. Muitas vezes, as pessoas pensam que botar um tubo na rua é a única tecnologia que existe para canalizar o esgoto. Só que os esgotos são ricos em nitrogênio e fósforo, por exemplo, o que poderia ser aproveitado para outros fins. Mas qual é a cultura que a gente tem? Acabou de usar o vaso sanitário, dá descarga. Só que a quantidade de água que é usada ali é centena de vezes maior que a quantidade de urina que foi parar ali. Então, esse tipo de discussão de qual a melhor tecnologia a ser usada vem da elaboração desses planos.
Quais seriam os modelos que poderiam ser utilizados em cidades pequenas, sem fazer com que elas tenham mais despesas?
Em municípios pequenos, por exemplo, com ruas que não são pavimentadas, uma carroça poderia dar conta da coleta do lixo na porta das casas. Não precisaria de um caminhão compactador, desses que tem aqui em Salvador, com custo elevadíssimo, porque quando quebra uma peça, a prefeitura não vai ter dinheiro para consertar. É preciso também quebrar esses paradigmas de que há apenas uma tecnologia para todas as situações. A mesma coisa ocorre quando a gente pensa em captação de água da chuva, muito pouco utilizada por nós de cidades maiores. É o caso das cisternas no semiárido, que são direcionadas para que as pessoas possam usar água durante oito meses sem chuvas. Se você comparar, nesses lugares, se gasta 16 a 20 litros de água por dia, enquanto que aqui em Salvador, a depender do bairro, são gastos de 250 a 600 litros de água diariamente.
Uma das alternativas para os municípios implantarem os planos de saneamento são os consórcios. Agora, será que as particularidades de cada local serão respeitadas?
Olha, fazer o consórcio é importante porque você pode montar soluções de âmbito regional comuns aos municípios envolvidos, mas tem especificidades locais que têm de ser obrigatoriamente respeitadas. Por isso, mesmo que seja realizado um plano de saneamento em um consórcio de 20 municípios, não dispensa de que cada cidade faça seu plano municipal.
Na Bahia, quantos municípios já tem o plano de saneamento implantado?
Só três: Camacan, Ibiassucê e Firmino Alves. De uns oito anos para cá, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) vem lançando editais para os municípios concorrerem a recursos para elaborar o plano. Foram realizados três editais, que resultaram em um convênio com 33 municípios. Desses 33 municípios, três desistiram e devolveram o dinheiro. E tem vários motivos que podem alegar, como “não tenho pessoal para acompanhar, não acredito em plano, acho que com os deputados aliados em Brasília, posso conseguir um dinheiro em uma emenda, burlando a lei”, portanto são vários fatores. Infelizmente, a crença é essa. Pois bem, saíram três, ficaram 30. Dos 30, só três foram concluídos. Vinte e sete ainda estão em elaboração.
O senhor acredita que, em dezembro, quanto termina o prazo, esses municípios vão conseguir concluir os planos?
Olha, no estado na Bahia, em torno de 120 municípios elaboram planos, mas a gente não pode garantir quando eles vão cumprir os prazos. O que se avalia é que até o final do ano, 45% dos municípios brasileiros tenham seus planos elaborados. Certamente, a presidenta Dilma Rousseff vai ser pressionada para fazer um novo relaxamento. O primeiro relaxamento foi em 2010, três anos depois da lei, e o segundo estendeu para 2013. Agora, ficou para dezembro de 2015. O que se tem que fazer é que neste novo relaxamento, caso ele venha a acontecer, se tente estabelecer com as entidades representativas dos municípios um cronograma exequível em que eles também se comprometam a fazer um esforço, para que ao final do prazo não ocorra um avanço pequeno.
Outro ponto que preocupa são os lixões. Na semana passada, noticiamos que o ator Marcos Palmeira fez um desabafo nas redes sociais a respeito de um lixão em Itororó, no sudoeste do estado (
veja aqui). Segundo ele, o problema ocorre desde quando ele era menino e visitava a região. Há ainda muitos lixões na Bahia?
Em 2007, um levantamento feito pelo Ministério Público junto com as secretarias estaduais de Saúde, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente identificou em torno de 413 lixões no estado. Na mesma época, os aterros construídos nos municípios pela Conder também estavam virando lixões. Por quê? Porque você consegue dinheiro para construir o aterro, mas na hora de conseguir grana para manter o aterro de forma adequada, é outra coisa. Por isso, se não há um compromisso municipal, o prefeito vai dizer: “eu vou pegar dinheiro e enterrar no lixo?” Aí, o aterro vira lixão mesmo.
Um ranking das 100 maiores cidades do país apontou Vitória da Conquista na 14ª posição quando o assunto é qualidade no saneamento básico. É a melhor colocação entre as cidades baianas pesquisadas. Qual o segredo de Conquista para conseguir essa colocação?
Eu posso falar com alguma condição porque em 1997, o prefeito, que é o mesmo de hoje, Guilherme Menezes, veio à Universidade e nós criamos um plano municipal de saneamento ambiental. A gente estudou água, esgoto, resíduo sólido e gestão ambiental. Primeiro, se discutia com cada localidade e depois era feito um projeto de engenharia para a prefeitura executar. Assim, Conquista tem avançado porque planejou antes, lá em 1997, e isso dez anos antes da lei nacional.
Qual é o nível de consciência que a sociedade tem da importância dos planos de saneamento?
Olha, esse é um processo demorado. Eu não vou esperar que de hoje para amanhã, a gente implemente a lei. É uma luta. Por isso que o papel de vocês na divulgação dos planos é importante. Quem sabe um dia, daqui a 25, 30 anos, a gente tenha um manejo mais qualificado.
Ontem estava descendo um rio de bosta líquida em uma rua no bairro Recreio.