É de conhecimento público que o transporte de vans em Conquista é irregular. Tanto que uma das empresas de transporte coletivo ajuizou que mereceu liminar que proíbe o transporte de Vans. Ruy Medeiros é Advogado e Doutor em Historiografia escreve sobre o imbróglio criado por Pereira.
Leia o texto de Rui Medeiros na íntegra:
Por Ruy Medeiros: Advogado e Doutor em Historiografia
A administração pública municipal de Vitória da Conquista encontra-se em palpos de aranha.
Quando candidato a Prefeito Municipal, o atual gestor prometeu aos condutores de Vans que iria regularizar o serviço que realizavam sem qualquer cobertura legal. Passava a impressão que, assumindo a chefia da gestão pública, logo daria a todos aqueles condutores a possibilidade de continuarem o transporte público de passageiros legalmente e sem transtornos.
É provável que o candidato, hoje chefe do poder executivo local, soubesse que a coisa não podia dar-se por artes de berliques e berloques, pois se espera de qualquer candidato de um município importante que realmente conheça os desafios da administração pública e as limitações que a lei impõe ao trato da coisa pública. Apostou na promessa fácil e no voto dos interessados.
Hoje, é bem difícil que desconheça outros aspectos necessários à prestação do serviço público de transporte de passageiros. Afinal de contas, possui um bom corpo de procuradores jurídicos. Mas, mesmo tendo sido alertado (é o mínimo que se espera dos procuradores, alertar), e conhecendo a capacidade dos procuradores acredito que se manifestaram sobre o assunto, mas a administração continua dando passos e declarações de que oficializará o transporte coletivo de passageiros feitos pelos veículos tipos vans, hoje existente.
Os condutores daqueles veículos que fazem o transporte coletivo, incentivados pela administração municipal, distribuíram linhas, numeraram seus veículos, uniformizaram a pintura desses, ocupam uma garagem e vestem fardamento de trabalho uniformizado, tudo como se fossem verazes concessionários. Tudo às claras.
Recentemente, em programa da rádio, o chefe do executivo municipal, declarou que já está providenciando estacionamento para as vans. Disso e de outras manifestações existem gravações. Dá a coisa como decidida.
Sem entrar no mérito se o serviço de transporte por vans é bom ou ruim, é necessário que, com a devida sobriedade, a questão seja discutida à luz do ordenamento jurídico, isto é, sob o prisma da constitucionalidade / legalidade.
A Constituição Federal, quando trata da competência material dos Municípios, diz:
Art. 30. Compete aos Municípios:
(…)
V – Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo que tem caráter essencial.
Considerando que nada está a justificar permissão (não há qualquer situação de emergência ou colapso do serviço), para que seja colocado em prática (organizar e prestar, diz a Constituição) o serviço do transporte coletivo de passageiros será necessário que haja lei prevendo-o e que os serviços sejam prestados diretamente pelo município ou mediante concessão, ou permissão antecedidas de licitação. Existe uma constitucionalidade/legalidade que deve ser observada e cuja não observância traz sérias consequências ao administrador público. Não pode ser negada vigência ao art. 175 da Constituição da República: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
As diversas linhas de transporte coletivo urbano / suburbano de passageiros já foram licitadas e duas empresas de ônibus tornaram-se concessionárias do serviço. Só elas, legalmente, encontram-se autorizadas, por que venceram concorrência pública e são legalmente concessionárias, a realizar o transporte coletivo.
Quando se incentiva, promete, permite oralmente, informalmente, o transporte coletivo de passageiros, diante da existência de empresas que o executam, sob concessão, e que inclusive pagaram outorga, descumpre-se contrato de concessão, desequilibra-se projeção de ganho, quebra-se o equilíbrio de despesa/receita, deixa-se desprotegido o passageiro quanto a alguns de seus direitos (passe livre para quem a esse tem direito, sistema de reclamação, responsabilidade objetiva do condutor, são exemplos), o modelo de culpa por danos a terceiros deixa de ser objetivo, etc. Mas, sobretudo, descumpre-se constituição e lei (inclusive lei municipal). Uma das empresas ajuizou ação de obrigação de fazer (processo nº 0500354-48.2016.8.05.0274), que mereceu liminar que proíbe o transporte de Vans.
A situação, nesse ponto, adquire gravidade maior: a consequência punitiva prevista na lei de improbidade administrativa (LGIA), ou Lei nº 8.429, de 02.06.92, e a pena prevista no Código Penal, por usurpação de função pública (neste último caso, quanto aos transportadores).
Realmente, a Lei nº 8.429/92 tipifica como ato de improbidade administrativa os que atentam contra a legalidade ou os princípios da administração pública. A consequência do descumprimento da Constituição, da lei e dos princípios da administração (improbidade) pelo gestor público ou servidores é grave: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (Constituição da República Federativa do Brasil, art. 37, § 4º). E, na LGIA: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(…) VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.
A Omissão também pode caracterizar a improbidade, como deixa claro o caput do art. 10, citado, da LGIA.
O Código Penal, por sua vez, tipifica o crime de Usurpação de Função Pública:
Art. 328. Usurpar o exercício de função publica:
Pena – detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos e multa.
Parágrafo único. Se do fato o agente aufere vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Assim, não apenas o administrador é atingido.
Há decisões de tribunais que entendem que o transporte coletivo irregular de passageiros caracteriza o crime de usurpação de função pública. A pena para o crime de usurpação de função pública está bem clara. Quanto à improbidade a pena será “ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios” (…).
A administração municipal sabe que é ilegal permitir, incentivar e dar guarida à situação, sabe que há leis que obrigam a submissão de concessão ou permissão à devida licitação, sabe que há decisão judicial liminar proibindo referido tipo de transporte. Pressionado por cobrança de promessa, a administração municipal persiste na prática administrativamente irregular. Não pode atribuir a outrem seus apuros causados por promessa cujo cumprimento muito provavelmente tinha conhecimento que não podia realizar. Há inúmeras apreensões anteriores de Vans no transporte não concedido.
A administração pública municipal tem conhecimento de que, em provimento de tutela provisória, em ação de obrigação de não fazer, (processo nº 0500354-48.2016.8.05.0274), um grupo grande de transportadores de passageiros está impedido de realizar o serviço. As empresas concessionárias do serviço de transporte de passageiros, por ônibus, em Vitória da Conquista, submeteram-se a processo de concorrência pública, na forma da lei federal nº 8.987/1995, e legislação municipal, pagaram outorga, e têm o direito de explorar o serviço sem a concorrência das Vans.
É isso tudo que coloca a administração municipal em palpos de aranha.
Com a palavra o Ministério Público.