O impasse nos Estados Unidos em torno das crianças brasileiras separadas dos pais, apontadas como imigrantes ilegais, fez com que o ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha, retornasse ao país, uma semana após voltar de lá. Ele viaja amanhã (14) para uma série de reuniões em Washington, Nova York e Boston. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Gustavo Rocha disse que está determinado a garantir que famílias se reúnam de forma definitiva.
“A gente tem de respeitar as leis dos países. A gente entende que cada país tenha sua legislação específica. Mas não podemos aceitar que essa legislação venha a violar os direitos humanos básicos, como o de reunião de famílias. Nossa preocupação é garantir que os direitos humanos sejam assegurados de forma plena.”
O ministro adiantou que já marcou nos Estados Unidos conversas com representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional para Migração (OIM), do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ACNUDH) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), além de entidades não governamentais.
Ele afirmou que o número de crianças brasileiras ainda separadas dos pais varia diariamente e estaria em torno de 50. Segundo ele, não há informações de que existam crianças com menos de 4 anos e bebês de nacionalidade brasileira nos abrigos. O caso mais preocupante é o de uma criança de 8 anos que está sozinha, em um abrigo em Nova York. “Quero conversar e ver essa criança de perto”, afirmou.
Em Boston, o ministro também irá à Casa da Mulher. Na semana passada, ao visitar abrigos em Chicago, o ministro disse que não viu crianças em locais insalubres. “Elas estão bem acolhidas. Mas é evidente que o fato de estarem sendo acolhidas não afasta a situação de vulnerabilidade.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Ministro, por que voltar aos Estados Unidos, uma semana depois de ter ido lá?
Gustavo do Vale Rocha: Vamos à ONU. O ponto principal é buscar a reunião das crianças com seus pais. Nesta segunda etapa, vamos a Nova York visitar uma criança de 8 anos, a única brasileira que está sozinha, então a situação de vulnerabilidade acaba sendo maior. Mas, inicialmente, a gente vai para Boston, onde existe a Casa da Mulher Brasileira, e ao consulado. É uma pauta prioritária para o Ministério de Direitos Humanos. Depois, vamos para Nova York e Washington, onde vamos à OEA. Na primeira visita [dias 4 e 5 de julho ], estivemos em abrigos em Chicago, onde está a maior parte das crianças, conversamos com os advogados, que estão prestando assistência jurídica, e detectamos as maiores dificuldades.
Agência Brasil: Pelo que senhor viu e conversou, como estão as crianças separadas dos pais nos Estados Unidos?
Gustavo Rocha: Elas têm estudo, lazer e estão bem tratadas, bem alimentadas – apesar de toda dificuldade da situação. Mas o fato de estarem bem acolhidas não significa que isso justifique o fato de estarem separadas dos pais. A gente percebe que o Poder Judiciário está muito atento a essa questão, de uma forma diferente do Poder Executivo, e fazendo o máximo para que essas famílias se reúnam novamente. Os abrigos, nos Estados Unidos, são mantidos por ONGs [organizações não governamentais], essas crianças estão estudando, em média, seis horas por dia, têm tratamento para saúde e área de lazer. A grande maioria delas manifesta interesse em permanecer nos Estados Unidos, então têm interesse em continuar lá. Nós temos de respeitar o desejo das famílias, temos de dar todo o suporte, seja para que permanecer lá, seja para retornar ao Brasil.
Agência Brasil: O senhor viaja otimista ou cauteloso para esta missão?
Gustavo Rocha: Acho que dá para ter um otimismo ponderado por causa da ação do Poder Judiciário norte-americano. O fato de existir essa decisão judicial [de reunir as famílias separadas] já é uma situação positiva. Eu espero ao menos poder acompanhar e saber como essa decisão judicial vai ser cumprida. Em caso de não cumprimento, vamos ver de que forma a gente vai acionar o corpo jurídico por meio do Itamaraty para fazer valer a decisão.
Agência Brasil: Ao visitar os abrigos, o senhor encontrou crianças embrulhadas em mantas de papel laminado e em ambientes que lembram jaulas, como a imprensa internacional chegou a divulgar?
Gustavo Rocha: Não. Não vi nenhuma nessa situação. Visitamos os quartos. Em um dos abrigos havia dois beliches, eram quatro crianças, e havia banheiro exclusivo. Elas estão bem acolhidas. Mas é evidente que o fato de estarem sendo acolhidas não afasta a situação de vulnerabilidade e a questão psicológica das crianças pequenas afastadas de seus pais.
Agência Brasil: Há informações de crianças filhas de imigrantes, com menos de 4 anos, que não reconhecem mais os pais porque ficaram muito tempo separadas deles. Há brasileiros nessa situação?
Gustavo Rocha: Não. Não encontrei crianças pequenas nessa situação. Há, sim, muitas crianças pequenas, bebês, em abrigos. Mas não são brasileiros. A criança mais nova de que a gente tem notícia está em Chicago e tem 5 anos. Mas até informações são difíceis de obter.
Agência Brasil: É possível pensar em reunir pais e filhos, mesmo diante do impasse do Judiciário e Executivo nos Estados Unidos?
Gustavo Rocha: Foi proferida uma decisão de um juiz da Califórnia que fixou prazos para reunir essas famílias. A primeira [decisão], que se referia a crianças abaixo de 5 anos, venceu na terça-feira [10 de julho ]. O segundo [prazo] vence em 26 de julho. Ainda há uma dificuldade em saber como o governo federal irá cumprir essa decisão. Nós estamos acompanhando para [que], na eventualidade de qualquer descumprimento da decisão, possamos novamente acionar os advogados que estão atuando no caso.
Agência Brasil: Quais são as suas preocupações?
Gustavo Rocha: Justamente assegurar a preservação dos direitos humanos dessas famílias e crianças. A gente tem de respeitar as leis dos países. A gente entende que cada país tenha sua legislação específica. Mas não podemos aceitar que essa legislação venha a violar os direitos humanos básicos, como o de reunião de famílias. Nossa preocupação é garantir que os direitos humanos sejam assegurados de forma plena.
Agência Brasil: O senhor não tem receio de que se resolva o problema agora e lá na frente ocorra novamente uma situação parecida?
Gustavo Rocha: O receio sempre existe. Essa questão das crianças brasileiras não é de agora. Já existia, no governo passado [Barack Obama], mas com um fundamento distinto: o da proteção da criança. Não era tratada como questão criminal. Essa política [do governo Donald Trump] da “tolerância zero” foge da nossa previsão. Não tem como saber como será tratado no futuro. A gente espera que isso se solucione da melhor forma possível. Mas, como se trata da política interna americana, é difícil fazer previsão.
Agência Brasil: Inicialmente, existia a intenção de ajudar o retorno desses imigrantes para o Brasil. Esta hipótese ainda está em cogitação?
Gustavo Rocha: Essa intenção é difícil de colocar em prática porque cada processo tem um ritmo. O processo de uma criança pode ser mais rápido do que de outra e o mesmo ocorrer com os pais. Mas a dificuldade maior, pelo menos com o que conversei com as crianças, é que todas elas querem resolver a questão e demonstram que a vontade é de permanecer nos Estados Unidos.
Agência Brasil: O presidente Michel Temer deu orientações específicas para essa viagem?
Gustavo Rocha: A orientação dele é que a gente busque solução para essa questão: dê atenção às crianças e às famílias. Percebemos, nas conversas com os advogados, que há processos diferentes para pais e filhos. Há uma necessidade de uma interação maior entre o corpo jurídico que atua em favor dos pais e em favor das crianças. Para facilitar essa questão, está indo conosco um defensor público, especialista em questão de migração, que aqui no Brasil cuida dos venezuelanos. Ele está indo para que a gente possa fazer essa interação maior entre os advogados que defendem as crianças e os pais.
*Agência Brasil