A criação da imagem leva em conta diversos fatores — a maioria ligada ao histórico de milagres e benfeitorias da santa ou santo em questão.
Com dois milagres oficialmente reconhecidos pelo Vaticano, a freira baiana Irmã Dulce ficou conhecida nas ruas de Salvador por uma atitude bem terrena: ao longo da vida, acolheu e cuidou de todas as pessoas que buscaram sua ajuda, especialmente aquelas mais miseráveis.
A trajetória de caridade da freira está agora representada na simbologia da Santa Dulce dos Pobres.
Em sua imagem canônica oficial, Irmã Dulce é vista com seu tradicional hábito azul e branco (vestes de quem integra a congregação de Nossa Senhora da Conceição), traz à mão um terço de Maria — de quem era devota — e carrega no colo uma criança negra, sem roupas, descalça e desnutrida que, de acordo com uma possível leitura iconográfica da peça, representa o menino Jesus.
“Para propor essa imagem, nossa equipe fez a hagiografia do santo, ou seja, estudamos toda a trajetória do indivíduo. Nada representa melhor a vida de Irmã Dulce do que o seu trabalho incansável junto às pessoas mais pobres. E, em Salvador, os mais pobres também são predominantemente negros. Ela mesma falava: ‘esse é o meu povo. Em cada pessoa que eu ajudo, eu vejo Jesus'”, lembra Osvaldo Gouveia, assessor de Memória e Cultura das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid).
“Mas, vale observar que, apesar de estar desnutrido, a expressão do menino na imagem é de serenidade, não de tristeza, porque quem encontrava Irmã Dulce encontrava a esperança”, emenda.
Interpretações diversas
Museólogo e ex-professor de Arte Sacra, Gouveia explica que a leitura iconográfica de cada santo, ou seja, o significado por trás dos símbolos presentes nas imagens, carrega marcas do contexto histórico em que as obras são criadas e subjetividades ligadas àquele personagem.
Santo Antônio, por exemplo, leva o menino Jesus nos braços nas imagens porque teria sido visto conversando com o mesmo ao se abrigar num convento, no século 12.
Já São Cristóvão, que carrega o menino Jesus no ombro, é representado dessa maneira por ter sido um homem muito alto e forte que, tendo vivido no século 3, certa feita teria carregado Jesus na travessia de um rio.
“A leitura é particular, por isso há espaço para muitas interpretações. No caso da imagem da Santa Dulce, a gente vê entre os devotos. Popularmente, é muito forte essa associação da criança negra com o menino Jesus, especialmente na Bahia”, completa Gouveia.
Após o estudo hagiográfico, a equipe das Osid chegou a sugerir ao Vaticano uma imagem em que, além da criança, aparecia ao lado da santa uma idosa, igualmente negra e carente, unindo assim os extremos etários que receberam atenção da freira.
Ao final da análise, optou-se por uma imagem mais simplificada. Mas, segundo Dom Murilo, a peça com a criança e a idosa ainda virá a ser utilizada nas celebrações à Santa Dulce.