A profissional tornou públicas as intimidações que vem sofrendo após denunciar evento promovido pelo prefeito do município baiano
Assim que as fotos de um evento de inauguração começaram a circular nas redes sociais, moradores de Ibicoara, cidade da Chapada Diamantina conhecida por belezas naturais como a Cachoeira do Buracão, dispararam protestos. Centro das atenções nas fotos, o prefeito Haroldo Aguiar (PSD) resolveu comemorar suas realizações no distrito de Mundo Novo, descumprindo o próprio decreto no qual proíbe aglomerações, como medida de enfrentamento à Covid-19. A repórter que denunciou o fato teve o telefone pessoal divulgado pelo executivo municipal na internet e tem sido alvo de ataques virtuais após a publicação da matéria. Jornalistas se manifestaram na manhã de hoje (14) em solidariedade à colega, através de mensagens em grupos online e nas redes sociais.
Candidato à reeleição, Aguiar posa para as câmeras ao lado de correligionários com as mãos espalmadas em alusão ao número de registro de seu partido. Além do político, outras pessoas aparecem sem máscara e sem respeitar o distanciamento mínimo preconizado pelas autoridades sanitárias.
Os protestos indignados de moradores da cidade chegaram à jornalista Andréia Giovanni, moradora de outro distrito. Correspondente do Sudoeste Digital, editado pelo também jornalista Celino Souza, em Vitória da Conquista, Andréia fez uma reportagem semelhante à de outro colega sobre evento promovido pelo prefeito de Iguaí, também na região Centro-Sul da Bahia, próxima a Conquista. Por um aplicativo de mensagens, Andréia Giovanni tentou ouvir o prefeito.
Haroldo Aguiar reagiu desconhecendo a condição profissional da repórter e dispensou a ela o tratamento tradicionalmente dado a adversários no calor das refregas eleitorais. “Tá tudo no meu face”, respondeu o prefeito, e a repórter ainda insistiu: “então o senhor não tem mais nada a declarar sobre o evento? Apenas o que já foi divulgado pela rede social mesmo?”. Aguiar responde com links de duas publicações suas no Facebook.
Depois da repercussão da matéria, Aguiar foi notificado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) – Foto: Reprodução
Em seguida, o prefeito postou em seu perfil pessoal no Facebook prints da conversa com a jornalista e comentou: “Eu descobrir (sic) quem era kmmm”. Um debate se segue, com outros cidadãos de Ibicoara e Haroldo Aguiar publica nova imagem com a tela de identificação de Andréia com seu número de telefone. Correligionários passam a defendê-lo com comentários desqualificadores sobre a jornalista.
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) contatou o prefeito Haroldo Aguiar, na manhã desta sexta-feira (14), por meio de aplicativo de mensagens instantâneas. “Olha o que Andréia fez comigo. Suja”, afirmou à ABI, anexando um print da tela onde a jornalista abre o contato para apurar as informações. “Eu recebi um trator do governo estadual e doei para a associação da comunidade de Mundo Novo. O povo de lá me recebeu, agradecendo o bem para aquela comunidade de trabalhadores, já que o deles havia sido roubado. Não entendi o mal que teve lá. Mas vida que segue. Agora só me cabe responder ao ministério público, porque o mal já foi feito injustamente”, lamentou. “Ela faz politicagem o tempo todo nas redes aqui. Jornalista não pode ter lado em suas publicações. Ou pode?”, questionou.
Haroldo Aguiar pede apoio dos membros de um grupo no Whatsapp para “defender a gestão” – Foto: Reprodução
Segundo ele, no evento, tinha “pessoal normal, como em uma fila de banco ou feira livre”, comparou. Questionado sobre a razão de divulgar o telefone e expor a jornalista na rede social, Aguiar não justificou. “Ela foi injusta comigo em não se identificar”, disse. O prefeito também foi questionado sobre uma mensagem enviada por ele em um grupo de Whatsapp, em que pede para os apoiadores defenderem a gestão. “Não estou entendendo onde vc quer chegar”, afirmou, em sua última mensagem à ABI. Até o fechamento desta matéria, Aguiar não havia feito pronunciamento formal sobre a denúncia.
Intimidações – Andreia Giovanni nasceu numa maternidade em Seabra pela falta desse tipo de equipamento público em Ibicoara, quando sua mãe deu à luz. Viveu na terra natal de seus pais até mudar para Vitória da Conquista, onde se formou jornalista pela Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste Baiano). Com diploma e registro profissional, voltou e tenta sobreviver como jornalista na cidade onde cresceu com a família.
Haroldo Aguiar expôs a jornalista em seu Facebook e seus apoiadores passaram a atacá-la | Foto: Reprodução
Numa rede social, Andréia assume posição pessoal de crítica ao gestor e se confessa arrependida do seu primeiro voto, em Aguiar. “Meu desejo é apenas realizar o meu trabalho de forma segura, eu sempre agi com responsabilidade e ética”, diz a jornalista, tentando separar sua postura como cidadã do trabalho jornalístico.
Alvejada em comentários de apoiadores do prefeito acusando-a de buscar notoriedade, ela teme o clima criado após a publicação da reportagem. “Eu não sei onde isso vai parar, porque já não sei com quem eu estou lidando”, comenta, enquanto expressa o temor compartilhado pela família. “Nosso receio é que isso se intensifique, porque eu não esperava uma atitude dessa natureza por parte da maior autoridade do município”, conclui.
Situada na porção sul da Chapada, a 480 Km de Salvador e 220 Km de Vitória da Conquista, Ibicoara ainda tem uma situação relativamente tranquila em relação a muitos municípios vizinhos, quanto aos números da pandemia. Entre os cerca de 20 mil habitantes, apenas 11 casos confirmados, todos curados e apenas dois casos suspeitos e 18 em monitoramento.
Fonte: ABI-BA