Mafuá de Malungo Contos, crônicas e memórias de Elton Becker.

No sábado, dia 27 de maio de 2017, às 20h30, Roberto Carlos pisava pela segunda vez no Estádio Lomanto Júnior, o Lomantão, em Vitória da Conquista. Em 18 de julho de 2024, o cantor fez um terceiro show aqui. Mas a primeira vez que ele esteve em Conquista foi em 31 de agosto de 1973, no mesmo Lomantão. E lá estava o menino Paulo César de Araújo.
Porém, ele não assistiu ao show que mais desejou assistir na vida. E este fato o marcou muitíssimo. Tanto que, em todas as publicações que escreveu sobre o cantor, ele fez questão de sublinhar: “Para mim, até hoje, Roberto Carlos nunca foi a Vitória da Conquista”. Para mim também, Paulo César. Nunca quis ir a um show de Roberto. Sou de Conquista e sou bairrista.
E os motivos? Bem, o primeiro é que em 1973 eu não havia nascido. O segundo motivo, e o maior deles, é que literalmente comprei a briga de Paulo César de Araújo com o “rei”. Isto porque eu acompanhei aquela verdadeira luta surda e absurda travada nos tribunais em 2007, quando a biografia do cantor, escrita por Paulo César em 2006, foi proibida de circular em abril daquele ano.
Contudo, o “rei”, não satisfeito, ainda mandou recolher cerca de 11 mil exemplares e ninguém sabe o que foi feito deste montante, até hoje.
Também li a publicação de 2014, “O réu e o rei: minha história com Roberto Carlos, em detalhes”. E aí foi a gota d’água. Como um nítido bairrista (Paulo César de Araújo também é conquistense), logo depois da leitura, passei a hostilizar quaisquer notícias que me lembrassem aquele Roberto Carlos censor.
Censor de censura mesmo, mas que em Psicanálise é a porção do inconsciente conhecida como superego e que atua como um vigilante psíquico. Sua função é impedir que conteúdos reprimidos emerjam para a consciência. O superego censor age como uma barreira protetora, mantendo sob controle os pensamentos, impulsos e memórias devido ao seu potencial perturbador ou ameaçador para o ego.
Talvez isso ajude a explicar a crise existencial de Roberto Carlos manifestada em várias formas de violência social, jurídica e política contra Paulo César. Quiçá contra mim, depois deste texto! Entretanto, digo crise existencial porque, em 2007, Roberto Carlos também não lançou disco novo e interrompeu uma prática que seus fãs aguardavam a cada final de ano.
Importante notar que “O réu e o rei” conta a história de outro livro: “Roberto Carlos em detalhes”, após a esdrúxula e vergonhosa disputa judicial — esdrúxula e vergonhosa para Roberto Carlos, sublinho. Ressalte-se que Paulo César de Araújo é um Historiador com H maiúsculo.
E, portanto, a censura do cantor ao trabalho dele desrespeita muito, extraordinariamente, a minha profissão de historiador e de comunicador.
Ocorre que da 20ª Vara do Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, o caso foi parar em Brasília. E, em 10 de junho de 2015, durante julgamento no qual o advogado do artista comparou biografias a um estupro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) classificaram de censura o pedido de autorização prévia (para publicação de biografias). Roberto perdeu no STF de goleada, uma enfiada de 9 a 0.
“A vida é uma experiência de riscos, ela pede a cada um de nós coragem”, disse a Ministra Cármen Lúcia durante o julgamento naquele dia. E que coragem a sua, hein, Paulo César? Há um poema de Bertolt Brecht que fala dos bons lutadores, dos ótimos e dos imprescindíveis. Há ainda outro verso de Brecht que diz: “os bons prezam tua graça”.
Pela coragem de Paulo César de Araújo, sabemos que tipo de lutador ele é e o estimamos tanto. Despropositado do “rei” ao não reconhecer que trabalhos como o de Paulo César abrigam aquilo que os artistas têm de mais precioso: sua condição humana, absolutamente necessária à arte.
Em 18 de fevereiro de 2022, entrevistei Paulo César de Araújo, durante o programa Conquista de Todos, na Rádio Brasil FM de Vitória da Conquista. Durante a FliConquista (Feira Literária de Vitória da Conquista), em novembro de 2023, tivemos a honra de vê-lo e ouvi-lo. Hoje, lhe parabenizamos pelo seu aniversário, ocorrido agora em 14 de março.
Viva Paulo César de Araújo, o filho de Dona Alzerina!