Em entrevista ao Brasil61.com, a bióloga Natalia Pasternak, pesquisadora da Universidade de Columbia, afirma que não há motivo para pânico, mas a população deve se conscientizar para evitar a transmissão da varíola símia
O Brasil já registrou mais de 1.700 casos de varíola dos macacos em seu território, segundo o Ministério da Saúde, até a última quinta-feira (04). Apesar de a população estar preocupada, a Drª Natalia Pasternak, bióloga e pesquisadora da Universidade de Columbia, presidente do Instituto Questão de Ciência, autora e comunicadora científica, afirma que não há motivo para pânico, mas é preciso que a população se conscientize para evitar a transmissão da doença.
Em entrevista ao Brasil61.com, a especialista disse que é pouco provável que a varíola dos macacos se torne uma pandemia, como a da Covid-19, justamente por ser uma doença menos contagiosa. Mas é necessário reforçar as campanhas informativas para evitar que a doença se espalhe.
A doutora Pasternak também explicou a diferença entre a varíola humana e a varíola dos macacos; detalhou os principais sintomas e as formas de contágio e prevenção. Segundo ela, a vacina contra a varíola humana deve proteger contra a varíola símia, mas a comunidade científica ainda tem poucos dados sobre a dimensão dessa proteção.
Confira a entrevista:
Brasil61: Doutora, qual é a diferença entre a varíola do macaco e a varíola humana?
Drª Natalia Pasternak: “São doenças causadas por vírus similares, da mesma família, mas são vírus diferentes. A varíola humana é causada por um vírus da varíola humana e a varíola de macacos ou varíola símia – temos evitado usar o termo varíola de macacos para não estigmatizar os animais – é um outro tipo de vírus, é outra doença. O que elas têm em comum? Tanto a varíola humana quanto a varíola símia se caracterizam por apresentar aquelas lesões de pele, que são muito típicas, que geralmente têm aquelas lesões no rosto, nos pés e nas mãos. A varíola símia também causa lesões parecidas. Parecem espinhas ou pústulas. E essas lesões são contagiosas. Em termos de gravidade da doença, elas são muito diferentes. A varíola humana foi uma doença muito letal, muito perigosa, que realmente tinha uma taxa de mortalidade alta. A varíola símia não. Ela é uma doença mais branda, menos grave, com uma letalidade bem baixa. Mas é uma doença incômoda, que pode causar dor, pode causar um sofrimento. Não é para ser negligenciada, mas pelo menos não é uma doença tão grave.”
Brasil61: Quais são os sintomas além das pústulas?
Drª Natalia Pasternak: “Em geral, começa com sintomas muito parecidos como uma gripe forte. Então, febre alta, dor no corpo, dor de cabeça e aparecem as lesões de pele, que são bem características.”
Brasil61: Como é o tratamento? Tem cura?
Drª Natalia Pasternak: “Tem cura. Geralmente, cura sozinho. Não é uma doença grave. Em geral, em algumas semanas, ela passa sozinha. Para os casos mais graves, fazemos controle de dor, quando a pessoa tem muita dor. Então, faz um controle da dor com analgésicos. E tem antiviral específico para a varíola símia que funciona. Mas, em geral, na maior parte dos casos nem é necessário; a doença se resolve sozinha.”
Brasil61: Apesar de não ter alta taxa de letalidade, existe grupo de risco para a varíola símia?
Drª Natalia Pasternak: “Não tem grupo de risco, porque todo mundo pode pegar. Ela é uma doença contagiosa que passa de pessoa para pessoa, por contato íntimo prolongado. Então, contato de pele: se você abraça, beija, tem contato sexual, qualquer tipo de contato íntimo e prolongado, demorado – não é uma coisa rapidinha -, você pode pegar a varíola símia. Mas o que alertamos? Nesse surto específico que estamos vivendo, assim como um surto que aconteceu em 2017 na Nigéria, observou-se a presença de lesões, aquelas pústulas, na região genital e anal, o que facilita muito o contágio por contato sexual. Então fazemos um alerta. Não é grupo de risco, qualquer um pode pegar, mas por contato sexual é facilitada a transmissão. Essa doença tem sido prevalente, nesse último surto, em homens que fazem sexo com homens, por causa da presença das lesões na região genital e anal. Só por isso que temos feito um alerta mais específico para que as pessoas prestem atenção. Se você é um homem, que faz sexo com homem, tem ou teve múltiplos parceiros, parceiros anônimos, nos últimos 15 dias, então você deve redobrar a sua atenção para os sintomas dessa doença, para a presença de lesões. Se observar lesões, [deve] avisar o médico, avisar todos os contatos, os parceiros sexuais que você teve, para tentar evitar que a doença se espalhe.”
Brasil61: Em pessoas imunossuprimidas, a doença pode se agravar?
Drª Natalia Pasternak: “Pode. Existem sempre pessoas que temos que redobrar os cuidados. Pessoas imunossuprimidas, grávidas, idosos. Então, nessas pessoas, existe sempre o risco maior de uma doença se agravar. [É preciso] redobrar os cuidados, prestar atenção aos sintomas, à presença de lesões. E, claro, se souber que teve contato com alguém que está infectado, prestar mais atenção ainda e vigiar para qualquer sintoma. Já procurar um médico, porque se você tem um sistema imune comprometido, a doença pode se agravar. Então, é questão realmente de fazermos uma boa campanha de conscientização da população.”
Brasil61: Tem vacina? A vacina para a varíola humana protege contra a varíola símia?
Drª Natalia Pasternak: “A vacina para varíola humana oferece o que chamamos de proteção cruzada. Como são vírus parecidos, ela deve proteger contra a varíola símia. Mas não sabemos dizer exatamente o quanto ela protege, porque isso nunca foi efetivamente testado em um grande número de pessoas. Mas acreditamos, por alguns experimentos menores que foram feitos no passado com profissionais de saúde e por causa dos anticorpos produzidos com a vacina de varíola humana, que ela oferece uma proteção cruzada. Então, temos uma população maior de 50 anos que foi vacinada contra a varíola. Em geral, as pessoas que nasceram no Brasil até 1971 são pessoas que ainda receberam a vacina para varíola humana. Alguma proteção essas pessoas têm, mas não sabemos dizer o quanto. E existem algumas campanhas, por exemplo, nos Estados Unidos, na cidade de Nova York, no Canadá; tem alguns países que já estão usando a vacina de varíola humana para fazer uma vacinação dirigida. Não é uma vacinação em massa. É uma vacinação para pessoas que foram expostas, que têm contato com pessoas infectadas. É o que chamamos de vacinação em círculo. Então, ela é dirigida para aquelas pessoas que tem maior probabilidade de ter estado em contato com o vírus, ou de estar em contato com o vírus por causa de atividades sexuais com vários parceiros, profissionais do sexo. Essas pessoas já estão, em alguns países, recebendo uma vacinação dirigida.”
Brasil61: A Organização Mundial da Saúde declarou emergência global para a varíola dos macacos. O que isso significa na prática?
Drª Natalia Pasternak: “Significa que os países membros, a partir dessa declaração, têm obrigação de reportar os casos para Organização Mundial de Saúde, para fazer um esforço global de contenção da doença, e também se comprometem a investir em capacitação, testagem, vacinas – quando for o caso. Então, é um pacto entre os países membros que, a partir do momento que a Organização Mundial de Saúde declara emergência, acionam o seu sistema de saúde para contribuir globalmente para a contenção dessa doença.”
Brasil61: A varíola símia pode se tornar uma pandemia como a Covid-19?
Drª Natalia Pasternak: “É muito pouco provável que ela se torne uma pandemia. Não é uma doença altamente contagiosa, como uma virose respiratória, como é o caso da Covid-19 ou da gripe influenza. É uma doença contagiosa, mas ela é mais fácil de conter. Os sintomas são mais óbvios, é mais fácil de isolar a pessoa que está infectada, de buscar a rede de contatos. Então, não é uma doença que tem potencialmente a mesma habilidade de se tornar pandêmica, como a Covid-19. Mas, para evitar que ela realmente se espalhe, precisamos de campanhas informativas. O mais importante para a varíola símia é que as pessoas estejam informadas de como se dá o contato, como é a maior probabilidade de contágio, o que fazer se eu estou infectado. Tudo isso tem que ficar muito claro, sem estigmatizar a sexualidade de ninguém. Lembrando que qualquer um pode pegar essa doença. E colaborarmos para que ela não se espalhe, porque, apesar de não ser uma doença grave, é uma doença incômoda, que pode causar dor, pode causar sofrimento, e que não queremos ter.”
Brasil61: Qual é a sua mensagem para a população brasileira que está preocupada com a varíola dos macacos?
Drª Natalia Pasternak: “A mensagem seria: não entrar em pânico. Não há motivo para pânico, mas há motivo para buscar informação, para exigir informação dos governos, do sistema de saúde. Então, cobrar mesmo que essa informação esteja disponível para todo mundo que precisa, com o cuidado de não estigmatizar ninguém.”