Superlotação, celas sem condições de higiene, presídios dominados por facções criminosas. Esses são alguns dos problemas do sistema penitenciário nacional apontados nesta quinta-feira (18) durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH). Debatedores avaliaram que a situação das cadeias, centros de detenção e penitenciárias não favorece a ressocialização dos mais de 600 mil homens e mulheres presos hoje no país.
Para Moema Dutra Freire, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), prender não resolve. Ela citou dados do Mapa do Encarceramento, divulgado pelo PNUD em parceria com a Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), que mostra um crescimento de 74% da população carcerária do Brasil entre 2005 e 2012.
A pesquisa, feita a partir de dados do Infopen (Sistema de Informações Penitenciárias) mostra que a população carcerária no país ultrapassou a da Rússia e, com 711 mil presos (considerando-se aqueles que cumprem regime de prisão domiciliar), passou a ser a terceira maior do mundo. Ao mesmo tempo, o Brasil é recordista mundial em homicídios. São cerca de 60 mil por ano, número que só aumentou desde 1995, quando aconteceram 37 mil mortes por ano.
— Esse estudo não encontrou nenhuma correlação entre as taxas de encarceramento e as taxas de homicídio. Prender mais não quer dizer que nós vamos reduzir a criminalidade e a violência. Estados que tiveram aumento maior de sua população carcerária nos últimos anos não tiveram queda na sua criminalidade — argumentou.
O perfil dos encarcerados, segundo ela, deixa evidente que a seletividade penal recai sobre segmentos específicos (jovens e negros), uma vez que a faixa etária que mais foi presa é a de 18 a 24 anos. Negros foram presos 1,5 vezes a mais do que brancos. Os crimes que mais motivam prisões são relacionados a questões patrimoniais e drogas, que somados atingem cerca de 70% das causas.
— Os crimes contra a vida motivam só 12% das prisões. Isso contradiz uma pouca percepção do senso comum de que as prisões são majoritariamente voltadas a crimes violentos, crimes contra a vida. Na verdade, são crimes menos graves — afirmou.
Presos provisórios
A população carcerária é engrossada pelo número de presos provisórios que aguardam até três anos para serem julgados. De acordo com Alexandre Vieira de Queiroz, da Coordenação de acompanhamento Carcerário da OAB, pelo menos 4 em cada 10 presos estão atrás das grades sem terem sido julgados.
— Eles ou são absolvidos ou são condenados a uma pena não privativa de liberdade. Esse estado que aprisionou essa pessoa que gozava da presunção de inocência ao final da instrução diz: desculpa aí, pode ir embora para casa — criticou Queiroz.
Diante desses e de outros dados, o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato Campos Pinto De Vitto, apontou que o Brasil segue na contramão dos países que encabeçam a lista de pessoas presas como Estados Unidos e China. A maioria deles, disse o diretor, tem adotado medidas para reduzir o encarceramento. Ele observou que o Brasil carece de 220 mil vagas em seu sistema prisional.
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é um equívoco e pode aumentar ainda mais a lotação do sistema penitenciário, na avaliação de alguns participantes. O senador Paulo Paim (PT-RS) foi o primeiro a questionar a proposta em debate no Congresso.
— Não entendemos que a forma de resolver a violência no Brasil é colocar criança na cadeia no meio de marginais. Eles entrarão para a escola do crime e sairão de lá muito mais profissionais — argumentou.
Alternativas
Penas alternativas e a ampliação das audiências de custódia – que é a garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante – podem ajudar a diminuir o número de presos. O secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado de Goiás, Joaquim Mesquita, foi um dos que defendeu esse tipo de solução para o aumento da população carcerária.
— O encarceramento vai se resolver não pela porta de saída, mas pela porta de entrada — assinalou.
Insegurança
A presidente do Movimento Paz Novo Hamburgo, Andrea Schneider, disse que o encarceramento é necessário, mas enfatizou que são imprescindíveis mudanças no sistema prisional que, conforme a ativista, não garante a ressocialização do preso e ainda o joga no colo de facções criminosas. Ela disse que a sociedade vive uma sensação de insegurança e impunidade crescente. Defendeu, ainda, a extinção dos regimes aberto e semiaberto:
— No Rio Grande do Sul, nós temos debatido muito junto do Tribunal de Justiça e com os deputados federais uma alternativa para extinguir o regime semiaberto e o aberto, passando [o condenado] um período maior no regime fechado e passando direto depois para o livramento condicional — relatou.
Para o coordenador nacional da Pastoral Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Valdir Silveira, porém, o encarceramento não ajuda na reintegração do preso. Aumentar o tempo na cadeia, em sua opinião, não vai ajudar a reduzir a violência.
— Quem defende prisão como situação de recuperação, que prisão recupera alguém, que prisão diminui violência, eu convido a pessoa a passar um mês dentro do presídio — disse.
Também participaram do debate Antônio Pereira Duarte, conselheiro do Ministério Público (CNMP); além da secretária de Defesa e Proteção Social do Estado do Tocantins, Gleidy Braga Ribeiro; e do secretário adjunto da Justiça e Cidadania, do estado de Santa Catarina, Leandro Antonio Soares Lima.
A audiência foi requerida pelos senadores Donizeti Nogueira (PT-TO) e Regina Sousa (PT-PI), que se revezaram na presidência da reunião.