Opinião e Artigos

Carta para Lima Barreto ou Notícias da Bruzundanga

Por Luiz Henrique Machado de Paula

Caro Lima;

Quanto tempo? Um século! Perdoe-me se lhe incomodo com notícias tristes da Bruzundanga, mas, se de um lado as mazelas do povo pobre só aumentam, por outro, acredito que gostará de saber que suas palavras foram proféticas. Porém em vão. Não por erradas, mas porque aqui ninguém lê ou pensa, somos arrivistas atávicos. Antes, por favor, não leve em consideração o péssimo conhecimento da língua e o pouco apuro literário deste missivista, lembre-se que freqüentei as escolas bruzundanguenses, nas quais ao término dos cursos os alunos saem “mais ignorantes e presunçosos do que quando para lá entraram”[i].

Vamos às notícias de Bruzundanga. Aqui tudo anda estranho, tenebroso, sombrio e bizarro, um dia pior que o outro. Veja, por exemplo, a nossa política: segue firme no propósito de não ser “uma grande cogitação de guiar os nossos destinos; porém, uma vulgar especulação de cargos e propinas”.

Os políticos bruzundanguenses chegaram ao ápice! Conseguiram “eliminar do aparelho eleitoral este elemento perturbador – o voto”. E nós, bruzundanguenses acreditamos que a Bruzundanga é uma Nação e ainda por cima democrática!!!

Nosso atual “Mandachuva” (um membro da “nobreza doutoral”) chegou ao cargo sem receber nenhum voto e preenchendo exatamente aquilo que a Constituição da República da Bruzundanga estabelece, lembra? Você falou disso, esqueceu? A nossa Constituição exige que o “Mandachuva” (também conhecido como ‘o sem votos’) deve “unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total”.

Também estamos com uns ministros (letras minúsculas para ministros minúsculos) daqueles “inábeis para dirigir qualquer coisa, indignos da função que a obscura marcha das coisas depositou em suas mãos”, pois “os preponderantes e influentes têm todo o interesse em não fazer subir os inteligentes, os ilustrados, os que entendem de qualquer coisa; e tratam logo de colocar em destaque um medíocre razoável (…)”.

Dizem que o ministro da justiça copa o que os outros escrevem como se fosse seu. Plágio? Não!!! Copiar é bom, prova que ele sabe ler e escrever, no caso, sabe ler em idioma estrangeiro, melhor ainda. E dizem que tirou zero na prova. Isso não prova nada, pois no final foi aprovado. Tem mais, ele disse que era pós doutoral e não é. Mentira? Nada!! Erro da secretária, afinal, se não tem o mordomo para que a culpa lhe recaia no lombo, qualquer serviçal serve para induzir a autoridade em erro, cara!!! Na região bandeirante da Bruzundanga, os Acadêmicos sérios são os que desfilam no carnaval.

O nosso ministro da cultura (o ministro que se confundiu a si mesmo com um prêmio[ii]), chamado em Portugal (pelo jornal de maior prestígio de lá) de despreparado, arrogante e megalômano, aquele sem currículo que o vincule à cultura, sem educação para participar de eventos de premiação, sem votos para se eleger no executivo, ex-comunista do partidão e agora no partidão neo-liberal do (des)governo, perdeu a oportunidade de ficar de boca fechada. Cala-te! És um energúmeno! Diria o Rei de Espanha.

Por aqui também surgiu um heroi, afinal de contas “um país como a Bruzundanga precisa ter os seus heróis e as suas heroínas para justificar aos olhos do seu povo a existência fácil e opulenta das facções que a têm dirigido”. Nosso heroi é um grande literato, detentor de uma cultura lingüística superior, apreciador da melhor música de câmera (sic) e adora ser fotografado pelas câmaras (sic)[iii]. Nosso heroi não é daqueles homens, como o é nosso ministro despreparado, arrogante e megalômano, “cuja cultura artística se cifrou em dar corda no gramofone familiar”.

Não senhor! Ele é homem de convicção e que não se deixa levar por algo que não venha ao caso, como a liberdade, os princípios constitucionais e outras crendices de mesma natureza. Direito e justiça? Superstições populares!! Este heroi é membro honorário “daquela corporação que até hoje tem se distinguido por trabalhar somente – pro domo sua”[iv]. O nosso heroi aplica fielmente aquele artigo da Constituição da Bruzundanga que diz: “Toda vez que um artigo desta Constituição ferir interesses de parentes de pessoas da ‘situação’ ou de membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso”.

Note, querido Lima, que nestes cem anos a Bruzundanga permaneceu descendo a ladeira.

Infelizmente nossos costumes antigos, nossos hábitos ancestrais não serviram de ensinamento para que pudéssemos melhorar e continuamos confirmando o que está escrito lá na Arte de Furtar: os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões.

Em suma: “Não há, portanto, na sociedade do momento tradição, cultura acumulada e gosto cultivado em um ambiente propício. São todos arrivistas e viveram a melhor parte da vida tiranizados pela paixão de ganhar dinheiro, seja como for. Os melhores e mais respeitáveis são aqueles que enriqueceram pelo comércio e pela indústria, honestamente, se é possível admitir que se enriqueça honestamente”.

Da Bruzundanga para o Céu no primeiro de março de 2017.

[i] Todas as citações em itálico e entre aspas foram extraídas da obra Os bruzundangas de Lima Barreto, escrita no ano de 1917 e publicada pela primeira vez no ano de 1923.
[ii] https://www.publico.pt/2017/02/20/culturaipsilon/noticia/o-ministro-que-se-confundiu-a-si-mesmo-com-um-premio-1762632
[iii] Fernando Morais, no Facebook: Moro ‘fala fino’ e diz ‘Câmera’ dos Deputados. Postado em 18 de julho de 2015 às 4:23pm de Fernando Morais, no Facebook: duas irrelevâncias que percebi ontem, vendo televisão: 1) o juiz Sérgio Moro fala fino; 2) ele pronuncia “câmera” quando se refere à câmara federal.
[iv] Citação extraída do jornal Os ferrões, ano 1, número 3, publicado em 01 de julho de 1875 apud OS FERRÕES. Org. José Leonardo Nascimento. Editora UNESP, 1ª edição, 2013, SP, p. 104. Pro domo sua: em benefício de sua casa.

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