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Opinião: Ad majorem Dei gloriam

Por Luiz Henrique Machado de Paula

“Fui, pois, ao Anjo e lhe pedi que me entregasse o livrinho. Então ele me disse: ‘Toma-o e devora-o, ele te amargará o estômago, mas em tua boca será doce como mel”. (Apocalipse 10,9)

A classe média brasileira (também chamada de massa manipulável, massa de manobra, massa “mamulenga”) que apoiou o golpe, agora está com cara de cachorro que caiu da mudança. Quer rosnar para o seu “dono”, pois ele não lhe explicou direito para o quê e para quem servia o golpe (os mamulengos nunca entenderiam. Como diria Mia Couto: para meio entendedor nem duas palavras bastam). Agora, vai latir até o fim de seus dias para se aposentar. Os ricos não precisam de aposentadoria, os meio ricos e alguns da classe média se apertam hoje e pagam uma previdência privada para a sua velhice (tudo orquestrado com os bancos!) e os pobres são pobres e como tais devem permanecer.

A classe média golpista defende a mudança do ensino médio, apenas como forma de manter os pobres afastados do ensino superior (que a “elite” branca e inculta deste país acredita lhe pertencer). Com os pobres escolhendo “seu caminho” no ensino médio, o que os levará inevitavelmente a uma situação de inferioridade para competir no vestibular (alguém acredita que o Enem e as cotas vão sobreviver ao golpe?) com os ricos que realizaram a formação geral, terão que se contentar apenas com a possibilidade dos empregos de nível médio (que a “elite” branca e inculta deste país acredita serem empregos subalternos).

A reforma do ensino médio e a reforma da previdência, nos moldes dos golpistas, se casam e se complementam. Com a reforma da previdência o pobre se sente obrigado a entrar para o mercado de trabalho mais cedo, isso para conseguir se aposentar com uma idade que ainda lhe permita ficar em pé numa fila de hospital público, por isso, tende a não conseguir acessar as universidades, pois quem trabalha para sobreviver tem menos tempo para estudar. Com a reforma do ensino médio, o pobre terá mais dificuldades para competir por uma vaga nas universidades, então se orienta para o mercado de trabalho mais cedo.

Com o golpe as políticas de cotas serão deixadas de lado. Voltaremos à situação que nos encontrávamos antes do Programa Mais Médicos. O acesso à moradia digna será um sonho. Logo vamos observar os movimentos migratórios do norte e do nordeste renascer. Com o fim de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família (presente, com outro nome, na maior parte dos países com igualdade social), veremos os pobres se submeterem à condição vexatória de trabalhar oito, dez horas ou mais, todos os dias, por alguns trocados (o que a nossa classe média escravagista deseja).

A quebra do monopólio da Petrobrás na exploração do Pré-sal (a estatal brasileira deixará de lucrar para que estatal de outro país lucre, somos colônia mercantil desde o início) e a PEC 55 completam o golpe. A classe média golpista, agora, com seu nariz pintado de vermelho, ainda tenta se justificar, afinal, tudo tem que ser culpa de um operário quase analfabeto, ainda por cima, aleijado, que ousou tentar pavimentar um caminho da Senzala até a Casa Grande. Quem ele pensava ser?

Os golpistas não podem permitir que pobres viagem de avião (e, ainda, querem viajar para o estrangeiro!!!!), que peões bebam vinho ou freqüentem rodízio e restaurante, que possam ter carros novos em vez de se apertarem nos coletivos. Para os componentes desta banda, pobres e pretos e índios e outros não devem concorrer em “pé de igualdade” com ricos e brancos.

Os golpistas já estavam se perguntando: e a dignidade da diferença social? E o meu privilégio? Como pode o porteiro, o jardineiro, o auxiliar de serviços gerais terem carro próprio? Acabaram com a “geral” nos estádios, um absurdo!!! Somos ou não uma nação hierarquizada? A última a abolir a escravidão? Cadê o respeitosamente?

O ensaísta e poeta Hans Magnus Enzensberger, no seu poema épico Titanic: uma comédia; fez uma metáfora que resume muito bem o país em que nos encontramos. Disse ele que, assim como os passageiros do Titanic, estamos todos num mesmo barco, mas quando o barco afunda, quem morre primeiro é o pobre, referindo-se aos que ocupavam a terceira classe (o porão do navio), que representaram a quase totalidade de mortes no naufrágio.

O golpe botou o doce gosto do mel na boca da classe média e agora amarga seu estômago. O golpe será para os pobres como o trabalho dos jesuítas foi para os índios nativos do Brasil: Ad majorem Dei gloriam. Os nativos brasileiros, a meia dúzia que sobrou, e Aristófanes, sabem muito bem para a maior glória de qual Deus. O deus Pluto: um deus chamado dinheiro.

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