Empreendimento afeta comunidades tradicionais e ameaça a arara-azul-de-lear, ave em risco de extinção
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA) ajuizaram ação conjunta requerendo a suspensão imediata das licenças ambientais concedidas ilegalmente no procedimento de licenciamento do Complexo Eólico Canudos, instalado na região do Raso da Catarina, município de Canudos (BA). Foram acionados o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), a Voltalia Energia do Brasil e as usinas Eólicas Canudos II e III. A ação, iniciada em 9 de março, também busca impedir o funcionamento de complexo eólico, em razão das irregularidades constatadas.
Entenda o caso – em 2019, associações de comunidades de fundo de pasto (comunidades tradicionais da caatinga) manifestaram preocupação com a instalação do parque eólico e os impactos que ele poderia causar sobre a fauna e vegetação locais. Em denúncia enviada ao MP/BA, ressaltaram que o lugar escolhido pelo empreendimento constitui área de ocorrência da arara-azul-de-lear, ave que está em risco de extinção.
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é uma espécie residente, endêmica da Bahia e em perigo de extinção, conforme Portaria MMA 444/2014. Seus longos deslocamentos diários entre os dormitórios e as áreas de alimentação, que podem alcançar até 170 km de distância, abrangem a área do empreendimento Complexo Eólico Canudos, o qual está situado entre três importantes dormitórios e sítios de reprodução da espécie: a Serra Branca, a Estação Biológica de Canudos e a Fazenda Barreiras. Haveria, portanto, na visão do instituto, riscos de colisão dos animais com as estruturas do parque eólico e de eletrocussão com as redes de transmissão de energia derivadas do empreendimento.
As apurações conduzidas pelos MPs concluíram que o Inema concedeu a licença ambiental sem a devida observância do art. 3º, § 4, inc. VII, previsto na Resolução Conama 462/2014. O regramento exige a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e a realização de audiências públicas para a implantação de empreendimentos inseridos em áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção ou de endemismo restrito, bem como em áreas de concentração ou rotas de aves migratórias.
A perícia realizada pelo MPF apontou que, além da arara-azul-de-lear, foram identificadas nas áreas de influência do empreendimento, mais quatro espécies ameaçadas de extinção: Tolypeutes tricinctus – tatu-bola; Crypturellus noctivagus – jaó-do-sul; Leopardus pardalis – jaguatirica; e Leopardus tigrinus – gato-do-mato-pequeno, além de espécies de morcegos de endemismo restrito à região de Caatinga e 24 espécies de aves migratórias ou parcialmente migratórias. Em relação à flora, a perícia apontou que estão presentes na área espécies proibidas de corte, como a Spondias tuberosa (umbuzeiro) e a Syagrus coronata (licurizeiro).
Recomendações – Em recomendação enviada em 2021, o MP/BA solicitou ao Inema a reanálise do processo de licenciamento; a suspensão ou anulação da licença ambiental concedida; a consulta prévia das comunidades tradicionais afetadas potencialmente pelo empreendimento; o cumprimento da Resolução Conama 462/2014 (que disciplina o licenciamento ambiental para empreendimentos de geração de energia eólica), com a determinação para realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima); e por fim a realização de audiências públicas.
À empresa Voltalia, recomendou que não implantasse qualquer medida para implantação do parque eólico até a resolução das controvérsias; bem como realizasse o EIA/Rima e as audiências públicas. Contudo, ambos se manifestaram expressamente pelo não atendimento da recomendação.
Diante da negativa, foi proposta ação civil pública, de autoria do procurador da República Marcos André Carneiro Silva e dos promotores de Justiça Luciana Espinheira da Costa Khoury e Adriano Nunes de Souza. Juntos, os Ministérios Públicos Estadual e Federal pedem liminarmente a suspensão imediata da Licença Prévia (Portaria Inema 20.194/2020), da Licença de Instalação (portarias Inema 22.958/2021 e 22.957) e da Licença de Operação (Portaria 27.433/2022); e que as empresas acionadas se abstenham de operar e fazer funcionar o complexo até que seja elaborado o EIA/Rima e realizada audiência pública, sob pena de multa diária de R$ 300 mil.
Requerem, além da confirmação da medida liminar, a declaração da nulidade das licenças, determinando-se a nova tramitação do processo de licenciamento ambiental da forma prevista na legislação vigente.
Número da ação: 1004100-89.2023.4.01.3304.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal na Bahia