Em seu discurso de maior peso político desde que deixou a Casa Branca, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama condenou nesta terça-feira (17/07) o que chamou de “políticos valentões”, em uma série de críticas veladas ao seu sucessor, Donald Trump.
Obama falava em Joanesburgo, na África do Sul, em comemoração ao centenário de Nelson Mandela, um dia depois de Trump ter se mostrado condescendente com o presidente russo, Vladimir Putin, em reunião em Helsinque, tornando-se alvo de duras críticas inclusive de partidários.
Sem mencionar Trump diretamente, Obama criticou muitas das políticas do republicano e apelou a todos que mantenham vivas as ideias que Mandela defendia, incluindo a democracia, a diversidade, a tolerância, o respeito aos direitos humanos e outros valores ameaçados.
O democrata também alertou contra “tempos estranhos e incertos”, afirmando que “as notícias estão trazendo cada vez mais manchetes perturbadoras e preocupantes”.
“Vemos grande parte do mundo ameaçando retornar a uma forma mais perigosa e brutal de fazer negócios”, advertiu. “As políticas de medo, ressentimento e retração estão avançando a uma velocidade que há apenas poucos anos era inimaginável.”
Ao criticar os “políticos valentões”, o ex-presidente destacou que muitos dos “que estão no poder estão tentando minar as instituições que dão sentido à democracia”. “Não estou sendo alarmista, estou simplesmente declarando os fatos. Olhe em volta.”
Obama condenou o que chamou de “total falta de vergonha” dos líderes políticos que, “quando são pegos mentindo, persistem e mentem ainda mais”. Para ele, é preciso se ater aos fatos, e a negação destes pode representar a ruína da democracia.
“Não posso chegar a um consenso com alguém que diz que as mudanças climáticas não estão acontecendo, quando todos os cientistas do mundo dizem que está. Se você diz que é uma farsa, por onde começamos?”, exemplificou, em referência velada a Trump, um negador do aquecimento global.
O democrata tem evitado fazer comentários públicos mencionando diretamente as políticas de seu sucessor, que chegou a reverter ou a condenar feitos de sua gestão (2009-2017), como o Acordo de Paris sobre o clima e o pacto nuclear com o Irã, ambos de 2015.
Para John Stremlau, professor de relações internacionais da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, “Obama faz uma repressão eloquente a Trump somente por estar de pé no palco homenageando Mandela”, cujos ideais estão “sob ataque” nos Estados Unidos e em outros lugares.
“Ontem [segunda-feira] vimos Trump e Putin juntos, agora estamos vendo a equipe adversária: Obama e Mandela”, disse o especialista em entrevista à agência de notícias AP.
O discurso de Obama foi transmitido pela internet e recebido com aplausos pelas cerca de 14 mil pessoas reunidas num estádio de críquete em Joanesburgo. Esta é a primeira visita do ex-presidente à África desde que deixou o cargo em janeiro de 2017.
Sua fala também destacou como Mandela, que ficou preso por 27 anos, se manteve firme na luta contra o apartheid, o regime de separação racial que existiu oficialmente na África do Sul no século 20. Libertado da prisão em 1990, ele se tornou o primeiro presidente negro do país quatro anos depois.
Obama, que por sua vez é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, via Mandela como um mentor. Muitos sul-africanos o consideram um sucessor do ex-líder, morto em 2013, devido a seu papel inovador e à defesa da igualdade racial em todo o mundo.
Em seu discurso em Joanesburgo, Obama fez questão de defender a igualdade em todas as suas formas, afirmando: “Eu pensei que, à essa altura, nós já teríamos percebido isso”.
Antes da África do Sul, ele esteve no Quênia, terra natal de seu pai, para uma visita de dois dias. Além de reuniões com líderes locais, visitou a casa da avó de sua mulher, Michelle Obama, e inaugurou um centro esportivo e vocacional fundado por sua meia-irmã, Auma Obama.
*DW / EK/afp/ap/dpa/lusa